Capítulo 20

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      Seria possível acreditar em dias melhores quando tudo que você acreditava antes não passava de mentira?  Minha família passara a vida fugindo de um  vampiro sádico. Meu pai era um lobisomem, que se transformava numa fera uma vez por mês. Eu estava no meio de um fogo cruzado, de um lado, era uma vampira e desejava me livrar daquela maldição, morrer e não machucar ninguém, e do outro, eu queria, precisava vingar todo sofrimento que passei junto com minha família. Eu seria a destruição e o arrependimento de Kian, ele tinha que pagar.
       Minha garganta se ressecava a cada momento que  passava em casa.  A imagem do sangue estava sempre ali, o desejo era insuportável. Meu pai me olhava, esperando um comportamento agressivo ou diferente, para provar se eu tinha virado mesmo um monstro. Apesar dele ser um lobisomem e inimigo mortal dos vampiros, ele não demonstrava ódio ou repulsa de mim como diziam as lendas,  parecia só  preocupado, como sempre.
       - Você guardou o anel. - ele disse apontando para meu dedo, onde anel de cruz da minha mãe  descansava.
       - Sim, ela me deu na noite que... - parei, não podia mais falar naquilo - e você pediu para não tirar nunca e eu não vou, é como se ela estivesse comigo através dele.
         - É um anel poderoso, vai te livrar do mal, eu dei para sua mãe quando fugimos de Kian, ele a protegeu e protegerá você também. É feito com pelo e sangue do coração do primeiro lobisomem alfa, o mais forte e mais valente de todos os lobisomens. É herança de família, o poder dele ficará com você enquanto o usar.
       - Por isso ela me deu? Para me proteger?
       - Sim, alguns vampiros tem poderes surreais, fortes demais até para criaturas da mesma espécie. Digamos que, enquanto estiver com você, nenhum vampiro poderá usar esses poderes para te machucar.
       - Obrigada e eu sinto muito por ter me transformado nisso, eu juro que não queria, eu tentei fugir, mas não consegui, nem o Sol me feriu.
       - Você saiu ao Sol e não virou cinzas? Como? - ele pareceu nervoso.
       - Me machucou um pouco, mas não para matar, eu sou de um tipo de vampiro que consegue ficar na luz, é um dom raro.
      - Uma lenda das bruxas fala sobre vampiros que podem andar no Sol, diziam que eles seriam grandiosos e justos,  enfrentariam o mal com bravura. - ele falou pensativo. 
       - Você disse bruxas? Não me diga que isso também existe.
       - Não, elas foram ixtintas a muito tempo, por obra dos vampiros aliás. No século XVIII, eles espalharam boatos de que as bruxas eram adoradoras do Diabo e faziam magia negra, os moradores perseguiram e prenderam elas, as boas e as más, todas foram queimadas e a descendência perdida.
       - Isso tudo existe? Personagens de contos de fadas? Das histórias? Como podemos viver em um mundo que tem tanta coisa a mais do que podemos ver e nunca nos damos conta?
       Ele sorriu, o que deu lhe um ar juventude. Era bom vê-lo de novo, uma semana parecia tanto tempo.
       - Vou pegar uma coisa, você vai entender melhor essa história com as bruxas.
       Ele subiu para o quarto e eu fiquei na sala. Era estranho, mas eu não me sentia em casa como deveria, eu devia está feliz, mas não, faltava algo, um pedaço de mim que ficara naquela rua, onde Kian sugou todo meu sangue, minha parte boa, a que era gentil, capaz de perdoar. Meu pai entrou na sala com um rolo de papel na mão, um pergaminho antigo e amarelado. Ele sentou e o abriu, era cheio de desenhos, pessoas com expressões de pavor e raiva, homens lindos,  mas com dentes enormes e afiados, outros com metade do corpo de homem e a outra de lobo.
       - O que quer dizer esses desenhos? - perguntei admirada.
       - Bem, isso foi dado por uma bruxa a um ancestral nosso, eu não sei dizer o motivo, mas escreveram atrás, eu aposto que nosso parente, ele disse: a uma jovem corajosa, que enfrentará o mal com bravura, libertará as ataduras do medo e achará a tão procurada cura.
Seu coração se dividirá, se tornará sua fraqueza,
Dentre o amor e o ódio, deve achar a verdadeira riqueza.
       - Não entendi nada.
       - Faz muito tempo que escreveram isso, veja a data, 1843. Eu sempre achei  esses desenhos bonitos, se olhar direito, a vampira do cântico está no Sol, logo aqui em cima, está vendo? - ele me mostrou, era uma jovem com uma espada, parecia gritar enquanto se atirava na batalha, os dentes amostra e o Sol resplandecendo em seu rosto. Eu analisei cada detalhe do papel, curiosa. Observei os homens que lutavam contra a garota, eles eram musculosos e atraentes, cheios de vigor para a batalha, como uma menina como ela poderia ganhar para eles? 
       Então algo prendeu minha atenção, um cheiro doce vindo de longe, que exalava um aroma irresistível. Estava se aproximando cada vez mais, minhas mãos começaram tremer, numa espécie de abstinência. Agora eu entendia o porque da preocupação de Hector, era sangue humano e como ele disse, eu não estava resistindo. Senti meu rosto mudar, se contorcendo para segurar a fúria  que tentava sair de dentro de mim, meus dentes cresceram, dando lugar a presas afiadas. Meu pai me olhou apavorado, sabia o que estava acontecendo.
       - Filha? Por que seus olhos estão assim?
       - Sangue! Tem sangue! - Eu gritei deixando me paralisada na cadeira para não correr como o vento em direção ao meu rastro. Eu tinha que me controlar, não podia fazer mal a ninguém.
       - Ah, meu Deus! Uma pessoa vinha para cá hoje, me ajudar com as coisas de casa...
       Não segurei, me levantei com toda a força e disparei  para fora, era  involuntário, não dava para controlar, eu estava sendo conduzida pelo cheiro do sangue. Abri a porta, pronta para atacar, então vi Louise. Escutei o pulsar do coração  dela através da veia do seu pescoço, era como um chamado, eu desejei mais do que tudo mordê-la, sentir o sangue corrente em minha boca. Ela chorou, mas não devia, eu não era mais a amiga dela que tinha sido como uma irmã, eu era um animal louco pela caça, desesperada para devorar e ver o medo nos olhos da vítima. Louise se aproximou e se jogou em cima de mim num abraço forte, eu a lancei para o lado com tamanha força que não sei como ela não se partiu no meio.
       - Fica longe de mim! - gritei aflita, querendo que ela corresse o máximo que pudesse - Eu posso te machucar, e não sei se consigo controlar isso. Hector?! - gritei.
       Ela parecia assustada, como se não me reconhecesse. As lágrimas desciam pelo seu rosto, eu não podia matá-la como fiz com Ana, mas estava acontecendo tudo novamente, a pele queimando, a pupila dos olhos dilatada, o desejo pelo sangue aumentando mais e mais. Ía se repetir, eu sentia.
       - Angel, sou eu, Louise, sua amiga. Não está me reconhecendo? Somos amigas. Onde você estava? Eu pensei que estivesse morta, eu tinha quase certeza.
       Ela veio de novo para cima de mim, chorando e tentando me abraçar, dessa vez não medi minhas forças e a joguei  longe demais, ela caiu em cima de um vaso de vidro que se quebrou e cortou sua perna. A fúria então veio de vez e eu não aguentei. O sangue me chamava e eu tinha que ir. No mesmo segundo eu estava do lado de Louise, meus dentes cresceram ainda mais e os cravei no pescoço dela. Era igual como na outra vez, a sensação, o mesmo impacto de poder e deslumbramento, como se nada no mundo pudesse me deter. Algo agarrou minha cabeça  com os dedos fortes e me jogou distante de Louise, eu disparei em sua direção novamente, não era eu que estava ali, era um predador que não queria desistir da caça. Hector me prendeu pelos braços e me olhou nos olhos.
       - Essa não é você, é o que Kian é. Ela é sua amiga, não a machuque. Seja mais forte.
       Minha respiração tranquilizou e devagar voltei ao normal. Como perdi o controle tão de repente? Olhei para Louise  ensanguentada no chão, estava desmaiada. Meu pai na porta, me observando desnorteado e Hector na minha frente, tentando me acalmar. Eu tinha sem querer,  dado a minha melhor amiga,  a vida que eu levava naquele momento. Ou eu a matava de vez, ou a transformaria em vampira.
 
    

SEGREDOS DE  UMA VAMPIRA      (Em Revisão)Where stories live. Discover now