Capítulo 14

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Algumas horas depois a internet havia voltado na casa de Ben. O notebook sobre a mesa de centro havia ligado sozinho, esperando por ele com uma mensagem desejando ser aberta. Encarava o aparelho sem esboçar reação, pensando na conversa sinistra de John, em seu desaparecimento e em Melissa. Principalmente em Melissa.

Lembrou-se com clareza de uma tarde alaranjada, fria, o vento gelado arrastando as folhas secas pelo asfalto rachado. Observava Melissa caminhar apressada em direção
à sua casa, segurando as alças da mochila roxa e respirando descompassadamente devido aos passos apressados e ao ar gelado que os pulmões sugavam. Ben sorriu quando ela parou em frente ao casarão branco de três andares e desceu as escadas pulando degraus para recebê-la.

- Trouxe a vodka? - perguntou assim que abriu a porta.

- Alguma vez eu esqueci? - ela sorriu e entrou dirigindo-se à cozinha.

Os pais de Ben haviam viajado e faltava uma semana para o último semestre daquele ensino médio conturbado que os dois adolescentes ansiavam sem muito entusiasmo. Nenhum desfecho de férias seria melhor do que aquele com vodka, comida e, mais tarde eles saberiam, sexo.

Para Ben, Melissa estava estranhamente mais bonita naquela tarde: casaco de lã branco que cobria seu short esportivo roxo, chinelos, cabelo molhado e os olhos carregados de máscara para cílios. Os lábios estavam mais grossos e brilhantes, o que provocava em Ben certa vontade estarrecedora de beijá-los. Melissa sabia daquela vontade por causa do olhar incontrolado que ele tinha sobre ela, tanto sabia como iria provocá-lo par saciar aquele desejo compartilhado.

Manter aquela amizade com benefícios tinha desvantagens. Não contavam que o amor que sentiam um pelo outro poderia crescer ao passo era duramente reprimido; só seria descoberto anos mais tarde em meio à loucura que viriam a passar.

Naquela tarde se beijaram pela primeira vez e, ao lembrar, Ben podia sentir o gosto de bala de canela e o grude do gloss labial. Fechou os olhos para desfrutar a sensação além da saudade que a lembrança causava. Podia sentir seus dedos magros perdendo-se nos cachos, da palma da mão apertando a cintura, o choque de seus corpos, as batidas cardíacas aceleradas. Por segundos sentiu os dentes da mulher capturando seus lábios.

Depois de duas garrafas esvaziadas ao longo das horas noturnas e diversas carícias, seguiram para o sexo mesmo com os corpos molengas e cansados. Era a primeira vez de ambos, a primeira de muitas que depois chegaria a um número limitado. Lembrar daquilo causava dor, parecia distante não só pelo espaço de tempo que separava o presente do passado.

Decidiu, por fim, abrir a mensagem. Depois do único clique, um endereço apareceu na tela, ele arqueou uma sobrancelha e decidiu anotar. Depois de ler, olhava para notebook morto em cima da mesa perguntando-se mentalmente se deveria ou não ir a Boston. Poderia ser morto, poderia dar de cara com Melissa, poderia encontrar nada. O conflito em sua mente só não era maior do que a vontade de trazer a mulher que amava de volta. Decidiu, por fim, arrumar tudo o que fosse necessário dentro de uma mochila velha, trancar a casa e partir com uma sensação angustiante de que não voltaria nunca mais.

Antes de ir, andou com passos pesados até a antiga casa de Melissa. Donatella demorou para abrir a porta, Eunice chorava e Ben não pôde deixar de sorrir com a familiaridade da situação. Quando a porta fora aberta, ele se assustou com a cena que viu. Dona havia emagrecido tanto que perdera todo o poder que sua corpulência proporcionava; no lugar dos cachos soltos havia um coque imóvel; olheiras profundas e uma expressão de quem não espera mais nada além da morte. Benjamin sentiu vontade de chorar porque ela não merecia o estágio de calamidade humana na qual estava imersa.

3301Where stories live. Discover now