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19 de Setembro de 1995

Querido Diário,
   Durante o intervalo da manhã, a Mel fez-nos ir todas cumprimentar o tal rapaz tímido. Ele parecia não saber muito bem o que fazer durante o intervalo sozinho, por isso estava encostado a uma parede a comer algo. Ele é alto, ainda mais alto que a Brenda que ao pé de mim já me faz sentir baixa para a idade que tenho. Os seus olhos são castanhos-claros e o seu cabelo é escuro. Senti-me mal por estar a reparar tudo nele, talvez o tenha deixado um pouco incomodado.
   Mel já sabia o nome dele por ser da sua turma, então quando chegamos ao pé dele cumprimentou-o com um "Olá Evan". Depois apresentou-nos, a mim e à Brenda, e o Evan falou-nos com um sorriso. Estivemos até tocar com ele, falavam de coisas um pouco aleatórias. Eu fui me logo embora assim que a campainha soou pelos corredores, fui com a Brenda para a sala onde iríamos ter aula. Não queria nada chegar atrasada, pelo menos não à aula de Filosofia. Comecei a pensar na aula o quanto aquela situação foi esquisita, mas também como ele tentou meter a sua timidez de lado e ser simpático connosco.
   Não parei também de pensar se devo contar à Mel e à Brenda sobre as minhas perdas de memória. Durante essa mesma aula a professora pediu-me para fazer uma espécie de resumo sobre o que tínhamos lido na aula anterior. Fiquei calada, estava muito confusa. Na minha cabeça, aquela era a primeira aula de Filosofia que estava a ter na minha vida. Mas por outro lado sabia que isso seria impossível, visto que já as aulas tinham começado na semana anterior e porque tenho já vários apontamentos no meu caderno que utilizo para esta disciplina. Tive receio que a Brenda que estava sentada ao pé de mim, percebesse que tenho esse problema. Sentia a pressão de 52 olhos estarem postos sobre mim à espera que eu respondesse à questão que já me tinha sido colocada pelo menos há uns 3 minutos atrás, mas que para mim pareciam ser uma eternidade. Ouvi alguns risos vindos das mesas atrás de mim. Realmente aquela situação estava a ser ridícula. Tentei acalmar-me e dizer a mim própria que ninguém iria descobrir só porque não sabia o que responder.
   Isso acontece a qualquer um, certo? É normal os alunos muitas vezes não saberem o que responder... Isso poderia ser a desculpa para encobrir o meu problema, até eu dar nas vistas e ter dito "não me lembro" e ter começado a chorar. A sorte foi a professora ter passado a vez a outra pessoa antes de eu começar com o meu ataque de choro silencioso. Claro que quem estava ao pé de mim conseguiu perceber. A Brenda empurra com o cotovelo o seu caderno até chegar à minha mesa. Tinha escrito algo a lápis dirigido a mim.
"Não devias de chorar só por não saber responder uma vez! É só por isso que estás assim, não é?"
   Peguei no meu lápis e antes de escrever limpei a cara às mangas da minha blusa.
"Não foi nada. Esquece, mas obrigada."
   O resto dessa hora e meia, fechados numa sala de aulas, foi bastante difícil de me aguentar e ter ficado lá. Independentemente de querer ficar sozinha no intervalo seguinte, sai juntamente com a Brenda que caminhava ao meu lado sem dizer nada. Foi então que no mesmo corredor avistamos o Evan e a Mel sentados num banco. Queria ter mesmo inventado uma desculpa como tenho de ir à casa de banho ou que precisava de ir comprar uma água ao bar, só para não me ter de ir sentar com eles todos. Tive receio de que se não estivesse ali, o que aconteceu na aula seria o tema de conversa deles.
   Encostei-me à parede e tirei uma caneta da minha bolsa. Enquanto elas falavam com ele, eu escrevi na minha mão esquerda algo que não me poderia mesmo esquecer de fazer: "Relembrar as aulas de filosofia".

Vou dormir agora.

Boa noite,
Nicole.

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