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21 de Setembro de 1995

Querido Diário,
   As quintas-feiras são os piores dias da semana. Primeiro porque tenho aulas o dia inteiro, e a Mel tem tarde livre e assim que vai para casa almoçar, já não volta mais para a escola. Assim fico eu e a Brenda sozinhas durante os curtos intervalos da tarde, mas como pouco falamos, parece quase uma hora de silêncio.
   Perguntei-lhe num desses intervalos se ela queria ir ter com alguém que eu não me importava. Não é que estivesse a querer que ela fosse embora, mas sentia que ela estava só ali sentada naquele banco comigo por uma espécie de obrigação.
"Eu odeio a nossa turma, tu és a única com quem me dou. Tu e a Mel."
   Considerei aquela resposta como um não, e depois ri-me com ela. Não era bem um motivo que tivesse piada, aliás até era bastante deprimente. Ambas concordamos que as pessoas da nossa turma são falsas, até umas com as outras. Ela perguntou se estaríamos a ser exageradas visto que só as conhecemos há uns 11 dias? Sim provavelmente só fez ainda esse tempo. Passado pouco tempo retirou o que disse, pois ela já conhecia umas 5 pessoas da turma o ano passado, e por o que ela me deu a entender, não foram lá muito simpáticos para ela o ano inteiro.
Assim que o nosso tema de conversa acabou começou outra vez o silêncio. Estava com um pressentimento que ela me queria perguntar o que aconteceu terça-feira. Estaria a ser paranóica acerca disso? Afinal já tinham passado dois dias e parece que ela esqueceu o assunto tal como eu lhe pedi. A Mel ligou-lhe e assim estiveram à conversa até tocar. Nesse momento senti-me um pouco "excluída".
   Não porque não estava a ouvir a conversa, eu nem estava a prestar atenção ao que a Brenda lhe dizia, só que naquele momento parecia que eu era a única rapariga de 15 anos sem ainda ter um telemóvel. Fazem-me lembrar tijolos por serem grandes e retangulares, mas no entanto gostava de ter um. Mas também a quem é que poderia ligar? Só se fosse à minha mãe e a elas as duas, de resto não sei mais ninguém.
   Talvez ao meu pai, mas faz meses que ele nem sequer liga para o nosso telefone de casa. Durante algum tempo a minha mãe usava a desculpa de ele não ter o nosso número. Se ele quisesse realmente falar comigo enviaria cartas, ou então poderia vir cá visitar-me. Mas eu sei que ele apenas não liga, não escreve e não me visita porque pouco lhe faço diferença na sua vida. Realmente nunca pedi tal coisa à minha mãe, vou me safando com as cabines telefónicas perto dos sítios onde vou, o que não são muitos.
   Não conheço ainda muito bem esta cidade. Pode ser pequena, mas é como se fosse um mundo totalmente desconhecido para mim. Portanto a minha rotina ultimamente tem sido de casa para a escola, e da escola para casa. No outro fim-de-semana por acaso descobri um parque muito agradável no fim da minha rua, e por baixo de alguns prédios há lojas, e descobri um café que é meio como uma biblioteca.
   No seu interior há prateleiras cheias de livros, e umas escadas de madeira que ainda dão para mais uma parte do café cheia de livros, alguns sofás e mesas pequenas. É um espaço agradável, em que a sua melhor "peça de decoração" são mesmo os livros. Pelo que percebi, basta pedir alguma coisa que depois podemos pegar no livro que quisermos e ficarmos lá o tempo que quisermos, quer dizer o máximo é mesmo até fechar.
   Eu entrei mesmo para dar uma vista de olhos, nunca tinha visto nada assim. Acho que não é habitual haver este tipo de cafés. Tenciono voltar lá, talvez no próximo sábado quando não tiver nada para fazer.                 
   Fui outra vez a pé para casa, apanhei um pouco de chuva pelo caminho mas nada de especial. Desta vez não avisei a minha mãe. Estou a escrever isto desde que cheguei, nem despi o casaco, apenas liguei o rádio e sentei-me no tapete da sala.
   Vou estudar antes que a minha mãe chegue a casa, ou pelo menos tentar mas não me apetece nada.

Até amanhã,
Nicole.

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