Epílogo - Parte 1 (Siena)

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Caribe, 2019 (3 anos depois)


"Quarto 305, com a vista para o mar como especificado na reserva. O Royal lhe deseja uma ótima estadia."

"Siena, você trabalha demais." Yolanda estava sentada na cadeira ao meu lado, alguns cachos rebeldes soltando-se do coque e seu bronzeado caribenho cobertos pelo uniforme perfeitamente passado e engomado da recepção. "Nunca vi você fazer algo além de trabalhar e ir para casa."

"Landa, é complicado, você sabe." Fechei o cadastro dos hóspedes que acabaram de subir para o quarto e olhei de relance para minhas mãos, agora apenas com resquícios do que antes eram calos do serviço pesado. Fechei os punhos e tirei-os de vista, respirando fundo antes de tentar evitar a mesma conversa que tenho com Yolanda desde que comecei a trabalhar no hotel três anos antes. "Meu trabalho é muito importante pra mim."

"Eu sei disso! Mas sei também que você é uma mulher adulta, com seus... Quantos anos você tem mesmo?"

"Vinte e cinco..." Respondo, hesitante. Minha idade é um mistério, mas segundo testes de imagem que pedi para detetives particulares no ano anterior, tenho vinte e cinco anos. Nenhuma outra informação foi achada ao meu respeito, nada de família, certidão de nascimento, não estava na lista de procurados por crimes ou desaparecimento, aparentemente meu passado é um borrão.

Eu era um borrão.

"Vinte e cinco! Linda, ruiva desse jeito! Vai viver, dançar um pouco. Os garotos vão em uma festa que vai acontecer no clube aqui perto, por favor diz que vai comigo." A negra dos olhos cor de mel segurou minhas mãos, forçando contato visual. "Só uma vez, você merece."

"Por favor, não deixa eu me arrepender de concordar com isso. " Respondi revirando os olhos, antes de ser atacada por um abraço surpresa. "Eu te encontro lá? Talvez as... Oito e meia?"

"Perfeito. E seu turno acaba em quinze minutos, é quase o universo te dizendo que deseja que essa noite chegue logo!" Disse a garota, soltando uma piscadela antes de juntar suas coisas atrás do balcão. "Já vou indo, você cobre pra mim não é?"

"Pode deixar, Landa. Te vejo à noite." Concordei, sorrindo.

Juntei alguns papéis, passei informações à garota que me substituiria no próximo turno, recolhi minhas coisas e bati o ponto exatamente cinco da tarde. Caminhei calmamente até o prédio simples onde consegui um quarto e sala por um preço que podia pagar com meu salário e sem nenhum tipo de documentação necessária. Abri a porta já desgastada e pendurei minha bolsa na parede ao lado, tirei os sapatos e soltei o coque que já me causava dor de cabeça. Os cabelos vermelhos caíram em cascata pelas minhas costas, e balancei-os para afrouxar do penteado marcado pelo spray fixador.

A rotina era marcada, perfeita e parecia extremamente errada quebrá-la, mas assim o fiz.

Ao invés de ligar a televisão e deixá-la falando em espanhol enquanto preparava um lanche, dei preferência ao silêncio absoluto que reverberava pelas paredes. Não era um silêncio convidativo, mas era familiar. Me dirigi ao pequeno armário embutido no canto do cômodo principal e o abri, acendendo a luz interna ao puxar a pequena corda que balançava preguiçosamente sob minha cabeça. Observei todas as fotos que cobriam o fundo do armário. Matérias impressas de jornais, imagens de câmeras de segurança, documentos falsos. Todos devidamente organizados em ordem cronológica, mas entre si, apenas poucas fitas adesivas na cor vermelha ligavam uns documentos a outros.

Meu rosto aparecia em cada um deles.

Tudo levara muito tempo. Mais precisamente, mil e sessenta e quatro dias procurando, pesquisando, perguntando. O computador disponível no hotel servia para fazer algumas procuras no google, e o detetive particular cobrou o salários de muitas horas extras para cruzar fotos minhas em um programa de identificação de desaparecidos que definitivamente era ilegal, mas rendeu muitas informações que além de úteis, eram extremamente assustadoras.

SirenaWhere stories live. Discover now