│3│Parte

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Nesta época, quero dizer: quando o fogão foi substituído pelo fogareiro e ele trocou o café em pó pelo solúvel, lembro que eu estudava à noite e, quando voltava para casa, ia ao seu quarto, sempre, para ver se e como dormia, na verdade, se respirava normalmente. Preocupava-me: estava cada dia mais fraco; a vida se lhe apresentava cada vez mais breve. Eu temia por ele; apavorava-me a ideia de que pudesse parar de respirar, só, em minha ausência, sem que eu o pudesse socorrê-lo. Medo que nos deixasse. Acercava-me, ouvia sua respiração, acomodava-lhe a cabeça no travesseiro e sussurrava: "Durma bem, querido tio Bento!" Ele apenas estirava-se mansamente e voltava a se encolher como um gato mimoso dormido no inverno. Estava arqueando-se e dormia aninhado em si mesmo. A cabeça para frente –imaginava eu− poderia comprimir a traqueia e obstruir a passagem de ar. Às vezes fazia-me lembrar carinhosamente um ouriço-cacheiro em estado de hibernação (Ah, como são doces esses pequenos mamíferos!). 

Eu beijava-lhe a fronte e ficava a observá-lo atento à sua respiração lenta, muito lenta, entregando-se ao sono sem resistência, sereno. Creio que seu espírito já se ausentava nos sonhos, preparando-se para ir-se embora, definitivamente. 

Meu saudoso tio-avô Bento emanava uma beleza mansa, leve como a de um anjo.


«O Sonho» by Madredeus.

A Vida de Vincent [1.8k] e a Morte do meu Tio-Avô BenedettoWhere stories live. Discover now