#06 - Foodtruck

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Essa é uma estória um tanto Shakespeariana, menos triste por não ter aquele final dramático e cheio de sangue. É uma estória amável em seus pequenos detalhes, e mesmo que não seja minha, precisa ser contada.

Tudo aconteceu pouco antes da minha chegada ao Blue Cup.

A manhã começou como qualquer outra: Rob chegou cedo para abrir o café, começou a preparar as mesas e organizou as cadeiras. Ligou as máquinas, estalou os dedos e, por fim, girou a placa de aberto.

O primeiro cliente não tardou a chegar. Craig pediu seu café para viagem e então saiu sem dizer muitas palavras. A porta atras dele fechou-se silenciosa deixando o ar frio escapar, mas aquela pequena paz de início de manhã não perdurou.

O soar inaudível da porta de fechando misturou-se ao forte ruído do foodtruck que se preparava para estacionar em frente ao Blue Cup.

Era comum que alguns caminhões de comida parassem ali de tempos em tempos. Na maioria das vezes Rob até conseguia trocar um bom café por um taco ou um hambúrguer, mas esse era um foodtruck um pouco diferente, um pouco mais irritante. Nada de tacos, hambúrgueres ou coisa alguma que representasse um potencial almoço delicioso.

Não não. Era um café ambulante, mesmas máquinas e cardápios que o Blue Cup. A diferença? Preços menores e uma variedade maior de comida.

O pior pesadelo de Rob se instalava, ou melhor estacionava.

Para piorar, seu pesadelo estava personificado numa garota de péssima atitude com não mais que um metro e sessenta.

Aquele dia fora um dia bem ruim, metade dos clientes que vinham em direção ao Blue Cup se deixavam parar e analisar o cardápio do foodtruck. A baixinha de nariz arrebitado e olhos pretos, Christina, sabia persuadir e conseguia clientes com muito pouso esforço. Ela tinha um carisma próprio, uma voz doce e uma conversa fiada muito convincente.

Rob conseguiu se segurar até a metade do expediente, tentou manter-se preso ao balcão e focado no trabalho, mas acabou saindo na tentação de checar a concorrência.

Comprou não um, mas cinco cafés (dos os quis coincidiam com os que tinha em seu menu).

Degustou com cuidado, tentou sentir todas as sutilezas, mas a verdade era que eram exatamente iguais. Proporções de caramelo e leite, pitadas de bauinilha ou coberturas de chantili. As pequenas nuancias que os distinguam não passavam de arrumações de letras diferentes.

Ele não soube explicar, tinha criado cada um daqueles cafés. Diferente do que pensavam, Rob não era um mero barista. Vinha de uma família de cozinheiros, aprendera desde cedo a diferenciar os sabores em um prato, a balancear quantidades certas de tempero. Podia ter desistido de concluir a faculdade de gastronomia, mas 35% do Blue Cup era seu (o que, para um garoto aos 19 anos, foi bastante coisa). Ali ele tinha domino sobre o que estaria no cardápio, quis seriam as bebidas servidas, quais eram as melhores combinações para sugerir. Era sim um pequeno negócio, mas que representava grande parte da sua vida.

Sentiu-se traído pelo mundo. Um assalto ao seu paladar, ao seu cérebro. Aquela baixinha copiara suas receitas e agora queria tirá-lo do mercado com elas.

Sua mente fervilhava em busca de uma solução. Não poderia impedir alguém de vender um produto, não detinha uma patente em seus cafés, não poderia obrigá-la a parar.

Cogitou a possibilidade de uma conversa. Dialogar calmamente e pedir que se retirassem. Se iriam roubar suas receitas que ao menos fosse bem longe dali. Aquela garota poderia ser razoável, uma ladra, mas com alguma sorte razoável.

Foi até uma das máquinas e preparou seu café favorito. Levou-o como uma oferta de paz passivo agressivo.

Tentando deixar sua irritação transparente ao máximo colocou o copo sobre o balcão com calada onde garota se debruçava olhando o celular.

– O que é isso? – ela perguntou com um desdem que destruiu as esperanças de Rob de que ela seria ao menos razoável.

– Esse é o meu café. Eu fiz 37 combinações diferentes até encontrar essa, um balanço perfeito entre os sabores, um equilíbrio que você deturpou.

Com uma risada sarcástica a garota jogou a cabeça para trás se divertindo como as palavras dele.

– Você roubou minha receita – Rob disse impaciente.

– É só um café, qualquer um consegue fazer. Você não vê a Starbucks reclamar toda vez que alguém vende um Mocca por aí.

– (...) – Rob a olhou sem saber como argumentar – Você não pode ficar aqui, está roubando meu clientes.

– Eu sei seus clientes dão boas gorjetas. Acho até que vou tornar esse lugar meu ponto oficial.

Rob virou de costas para que ela não visse a frustração que se estampou em seu rosto.

– Não estacione aqui amanhã – virou de volta anunciando. Rob nunca fora dos mais pacientes. – ou eu vou partir para outros meios  e não vai acabar bem para você.

A garota deu de ombros e voltou-se para pegar o croissant de dentro do forninho que apitava.

Foi assim que a guerra se iniciou. Rob fez o primeiro movimento e avisou as autoridades responsáveis sobre um carro estacionado irregularmente. Christina foi rebocada, mas voltou dois dias depois pronta para sua jogada. Uma inspeção surpresa foi executado no Blue Cup devido a uma denúncia anônima, contudo o rato plantado por Chris passou despercebido pelos olhos sem óculos do inspetor sanitário. Por algumas semanas eles tentaram sabotar um ao outro, sabotagens infantis e algumas vezes cruéis. Contudo Rob saiu vencedor.

Ele refez seu cardápio do zero, criou bebidas que deliciavam os clientes e o faziam desprezar aquele caminhãozinho que ali estava parado.

Christina se retirou sem hastear a bandeira branca, melhor seria dizer que ela saiu cuspindo fogo amaldiçoando todas as gerações de Rob. Mal ela sabia que essa maldição só voltaria para si.

8 meses se passaram antes que eles se vissem de novo. Não fora no café, ou no foodtruck, fora num curso de culinária que Rob estava dando e Chris era uma das alunas.

Esse fora o grande diferencial deles. Eles souberam superar os acontecimentos, esquecer aquele ódio já desnecessário e aprender um com o outro. Logo os olhares raivosos se tornaram olhares de admiração. Chris via na baixinha o potência, a baixinha admirava nele todo aquele conhecimento. Eles não se completavam, eram antagonistas até sua raiz, tinham personalidades e opniões diferentes, mas aquele amor em comum serviu para uni-los.

Não era sobre um amor idealizado que criava aquela pessoa perfeita que nunca sairia da mente. A paixão deles estava no sentimento que causavam um no outro. Estava naqueles instante em que ele ficava mais feliz quando recebi uma ligação dele, ou quando ela o fazia sorrir nos piores momentos, quando ela a divertia fazendo bagunças na cozinha, e acima de tudo por saberem que seu amor era correspondido.

Não era sobre um amor mágico e idealizado, era sobre como eles encontraram a pessoa certa que despertava a melhor versão deles.

Empty BottlesOnde histórias criam vida. Descubra agora