Uma Taça de Obsessão

38 1 0
                                    


Meu marido estava sentado em seu lado da cama, sério e sóbrio como há muito não o via.

– O que aconteceu ontem, Lissa? – Perguntou extremamente sério. Sua voz, que já era bastante grave, parecia um trovão.

– Não me lembro bem, Itamar – menti. A dor de cabeça me matava. O gosto de sapato velho espava impregnado na boca e o meu hálito me desagradou. – Só me lembro de ter me encontrado com Nanda na Rua da Lama. Lá nós bebemos algumas taças de vinho e eu fiquei embriagada – tentei manter o tom de voz amistoso e inocente, de modo a parecer convincente. Independente do que Nanda lhe dissera, tenho certeza que ela jamais colocaria o meu casamento à prova. – Acho que ela chamou um táxi e me levou para sua casa, onde me deu banho e esperou que eu melhorasse. Não devo ter melhorado e ela deve ter me trazido em casa.

– Um homem bateu na porta de casa às 3h15min da madrugada com você nos braç...

– Um homem? – Interrompi.

É claro que eu me lembrava. E que homem...

– Sim! Disse que se chamava Otto e que era o motorista particular de Nanda – ele coçou duvidosamente a cabeça. Sua voz já estava menos ameaçadora. – Eu não me lembrava que ela tinha um motorista particular. Na verdade nunca a vi senão em seu próprio carro, no volante.

– Esqueceu que Nanda tem família? O fato de ela ser filha caçula, ter seu próprio veículo e fazer jus à sua habilitação não a impede de pedir favores ao motorista da família – mais um sobressalto. – Você está condenando um gesto amigável, Itamar, é isso mesmo? Diabos, ela estava tão alcoolizada quanto eu! – Levantei furiosa. Estava nua. Meu marido, assustado, encolheu-se na cama. Fui até a cozinha. Abri a gaveta, tomei nas mãos a maior faca, que por sinal era a menos amolada, e marchei até o quarto.

Itamar, ao ver a esposa nua e com aquela arma nas mãos, abre a boca com a intenção de gritar. Nenhum som foi emitido.

– Quer saber mesmo a verdade, Itamar? Eu fodi! Fodi como você nunca me fodeu. Nesses anos de casados sabe para que você serviu? Para engordar esse seu traseiro escroto e embebedar essa sua vida escrota! Para fazer a sua empresa ter queda de 3% ao mês e para pedir que eu me masturbasse pra você! Há quanto tempo a gente não transa, Itamar? – Tudo o que eu mais queria era ouvir uma resposta qualquer, mas o desgraçado simplesmente chorou. – Não importa mais! E quer saber? Eu fodi e não estava bêbada! Eu não estava bêbada! Eu não tinha bebido nem um único gole de vinho, seu gordo escroto de merda!

Avancei sobre aquele homem e dei todos os golpes que a ressaca me permitiu.

Liguei para o 190 após ter esvaziado o cofre da casa e, enquanto eles se encaminhavam até a minha residência, tomei outra ducha rápida e me vesti para arrasar...

...Little skirt's climbin' way up her knee...

...So I gave her just a little kiss like this...

...busquei no bolso da calça o bilhete escrito pelo policial de trânsito e o guardei na mala junto com algumas roupas e todo o dinheiro; liguei o carro e parti rumo à casa do delegado que era meu amigo. Ele me ligou dez minutos depois pedindo explicações. Perguntei-lhe quanto custaria o meu silêncio, ele estabeleceu uma quantia e eu lhe disse que estava em frente à sua casa e que deixaria uma bolsa com a sua mulher. E assim o fiz.

O crime ficou em silêncio e a morte do meu marido foi apresentada a sociedade apenas como suicídio. Enterraram-no e lá estava eu, debulhando-me em lágrimas por fora. Por dentro, eu só fazia pensar em Otto e em Nanda. Agora Nanda quereria ser eu e isso me cativava.

Ao sair do cemitério, hospedei-me no Hotel Golden Tulip Porto Vitória.

Já no quarto, enquanto teclava no celular o 998765432, o filme daquela noite se passou em minha cabeça. Nanda se masturbando e lambendo o sêmen do meu corpo. Otto mordendo os lábios enquanto Nanda o chupava. O beijo de Otto. Deus, aquele beijo!

Eu me apaixonara por Otto na primeira noite. Um mísero policial de trânsito.

Agora, mais um erro me elucida os fatos à mente: estaria ele mesmo uniformizado ou a minha desatenção deixou que passasse despercebido? Se ele era um policial, deveria estar vestindo seu uniforme e ter uma viatura. Eu não vi nenhuma. Mas é claro que aquilo fora armação de Nanda! E como eu caí certinho!

Mas quer saber, Nanda não tinha família nenhuma. Morava sozinha em um condomínio próximo à Praça do Papa.

– Lissa! – Otto me atendeu dizendo o meu nome

Fiz a ele o convite. Insisti bastante. Eu precisava de mais! Eu precisava ser mais que Nanda! Precisava lutar contra os meus demônios – ou a favor, quem sabe?

Tendo a resposta, aguardei alguns minutos e desci ao seu encontro. Voltamos ao mesmo quarto do mesmo motel e, após despi-lo, busquei uma taça do mesmo vinho tinto que bebemos três dias atrás. Caminhei até ele e derramei sobre o seu corpo o líquido avermelhado.

– Eu preciso de mais! – E repetimos a dose. Pus nele a venda. Agora ele era só meu. E seria assim sempre. Ou até quando eu o aturasse.

Uma Taça de ObsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora