Presidente Truepenny, C. J.

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Os quatro acusados são membros da Sociedade Espeleológica - uma organização amadorística de exploração de cavernas. Em princípios de maio do ano de 4299, penetraram eles, em companhia de Roger Whetmore, à época também membro da Sociedade, no interior de uma caverna de rocha calcária do tipo que se encontra no Planalto Central desta Commonwealth. Já bem distantes da entrada da caverna, ocorreu um desmoronamento de terra: pesados blocos de pedra foram projetados de maneira a bloquear completamente a sua única abertura. Quando os homens aperceberam-se da situação difícil em que se achavam, concentraram-se próximo à entrada obstruída, na esperança de que uma equipe de socorro removesse o entulho que os impedia de deixar a prisão subterrânea. Não voltando Whetmore e os acusados às suas casas, o secretário da Sociedade foi notificado pelas famílias dos acusados. Os exploradores haviam deixado indicações, na'sede da Sociedade, concernentes à localização da caverna que se propunham visitar. A equipe de socorro foi prontamente enviada ao focal.

A tarefa revelou-se extremamente difícil. Foi necessário suplementar as forças de resgate originais mediante repetidos acréscimos de homens e máquinas, que tinham de ser transportados à remota e isolada região, o que demandava elevados gastos. Um enorme campo temporário de trabalhadores, engenheiros, geólogos e outros técnicos, foi instalado. O trabalho de desobstrução foi muitas vezes frustrado por novos deslizamentos de terra. Em um destes, dez operários contratados morreram. Os fundos da Sociedade Espeleológica exauriram-se rapidamente e a soma de oitocentos mil frelares, obtida em parte por subscrição popular e em parte por subvenção legislativa, foi gasta antes que os homens pudessem ser libertados, o que só se conseguiu no trigésimo segundo dia após a sua entrada na caverna.

Desde que se soube que os exploradores tinham levado consigo apenas escassas provisões e se ficou também sabendo que não havia substância animal ou vegetal na caverna que lhes permitisse subsistir, temeu-se que eles morressem de inanição antes que o acesso até o ponto em que se achavam se tornasse possível. No vigésimo dia a partir da ocorrência da avalancha soube-se que os exploradores tinham levado consigo para a caverna um rádio transistorizado capaz de receber e enviar mensagens. Instalou-se prontamente um aparelho semelhante no acampamento, estabelecendo-se deste modo a comunicação com os desafortunados homens no interior da montanha. Pediram estes que lhes informassem quanto tempo seria necessário para liberá-los. Os engenheiros responsáveis pela operação de salvamento responderam que precisavam de pelo menos dez dias, à condição que não ocorressem novos deslizamentos. Os exploradores perguntaram então se havia algum médico no acampamento, tendo sido postos em comunicação com a comissão destes, à qual descreveram sua condição e as rações de que dispunham,solicitando uma opinião acerca da probabilidade de subsistirem sem alimento por mais dez dias. O presidente da comissão respondeu-lhes que havia escassa possibilidade de sobrevivência por tal lapso de tempo. O rádio dentro da caverna silenciou a partir daí durante oito horas. Quando a comunicação foi restabelecida os homens pediram para falar novamente com os médicos, o que conseguido, Whetmore, falando em seu próprio nome e em representação dos demais, indagou se eles seriam capazes de sobreviver por mais dez dias se se alimentassem da carne de um dentre eles. O presidente da comissão respondeu, a contragosto, em sentido afirmativo. Whetmore inquiriu se seria aconselhável que tirassem a sorte para determinar qual dentre eles deveria ser sacrificado. Nenhum dos médicos se atreveu a enfrentar a questão. Whetmore quis saber então se havia um juiz ou outra autoridade governamental que se dispusesse a responder à pergunta.Nenhuma das pessoas integrantes da missão de salvamento mostrou-se disposta a assumir o papel de conselheiro neste assunto. Whetmore insistiu se algum sacerdote poderia responder àquela interrogação, mas não se encontrou nenhum que quisesse faze-lo. Depois disto não se receberam mais mensagens de dentro da caverna, supondo-se (erroneamente como depois se evidenciou) que as pilhas do rádio dos exploradores tinham-se descarregado. Quando os homens foram finalmente libertados soube-se que, no trigésimo terceiro dia após sua entrada na caverna, Whetmore tinha sido morto e servido de alimento a seus companheiros.

Das declarações dos acusados, aceitas pelo júri, evidencia-se que Whetmore foio primeiro a propor que buscassem alimento na carne de um dentre eles, sem o que a sobrevivência seria impossível. Foi também Whetmore quem primeiro propôs a forma de tirar a sorte, chamando a atenção dos acusados para um par de dados que casualmente trazia consigo. Os acusados inicialmente hesitaram adotar um comportamento tão desatinado, mas, após o diálogo acima relatado, concordaram com o plano proposto. E depois de muita discussão com respeito aos problemas matemáticos que o caso suscitava, chegaram por fim a um acordo sobre o método a ser empregado para a solução do problema: os dados.

Entretanto, antes que estes fossem lançados, Whetmore declarou que desistia do acordo, pois havia refletido e decidido esperar outra semana antes de adotar um expediente tão terrível e odioso. Os outros o acusaram de violação do acordo e procederam ao lançamento dos dados. Quando chegou a vez de Whetmore um dos acusados atirou-os em seu lugar, ao mesmo tempo em que se lhe pediu para levantar quaisquer objeções quanto à correção do lanço. Ele declarou que não tinha objeções a fazer. Tendo-lhe sido adversa a sorte, foi então morto.

Após o resgate dos acusados e depois de terem permanecido algum tempo em um hospital onde foram submetidos a um tratamento para desnutrição e choque emocional, foram denunciados pelo homicídio de Roger Whetmore. No julgamento, depois deter sido concluída a prova, o porta-voz dos jurados (de profissão advogado) perguntou ao juiz se os jurados podiam emitir um veredicto especial, deixando ao juiz dizer se, em conformidade com os fatos provados, havia culpabilidade ou não dos réus. Depois de alguma discussão, tanto o representante do Ministério Público quanto o advogado defensor dos réus, manifestaram sua concordância com tal procedimento, o qual foi aceito pelo juiz. Em um longo veredicto especial o júri acolheu a prova dos fatos como acima a relatei e ainda que se, com fundamento nos mesmos, os acusados fossem considerados culpados, deveriam ser condenados. Com base neste veredicto o juiz de primeira instância decidiu que os réus eram culpados do assassinato de Roger Whetmore. Em consequência sentenciou-os à forca, não lhe permitindo a lei nenhuma discrição com respeito à pena a ser imposta. Dissolvido o júri, seus membros enviaram uma petição conjunta ao chefe do Poder Executivo pedindo que a sentença fosse comutada em prisão de seis meses. O juiz de primeira instância endereçou uma petição similar à mesma autoridade. Até o momento, porém, nada resolveu o Executivo, aparentemente esperando pela nossa decisão no presente recurso.

Parece-me que, decidindo este extraordinário caso, o júri e o juiz de primeira instância seguiram um caminho que era não somente correto e sábio mas, além disto, o único que lhes restava aberto em face dos dispositivos legais. O texto da nossa lei é bem conhecido: "Quem quer que intencionalmente prive a outrem da vida será punido com a morte". N.C.S.A. (n.s.) § 12-A. Este dispositivo legal não permite nenhuma exceção aplicável à espécie, embora a nossa simpatia nos incline a ter em consideração a trágica situação em que esses homens foram envolvidos.

Em um caso desta natureza o princípio da clemência executiva parece admiravelmente apropriado para mitigar os rigores da lei, razão por que proponho aos meus colegas que sigamos o exemplo do júri e do juiz de primeira instância,solidarizando-nos com as petições que enviaram ao chefe do Poder Executivo. Há razão de sobejo para acreditar que estes requerimentos de clemência serão deferidos, vindo como vêm daqueles que estudaram o caso e tiveram a oportunidade de familiarizar-se cabalmente com todos os seus aspectos. É atualmente improvável que o chefe do Poder Executivo denegue estas solicitações, a menos que ele próprio fosse realizar investigações pelo menos tão extensas como aquelas efetuadas em primeira instância, que duraram três meses. A realização de tais investigações (que, de fato, equivaleriam a um novo julgamento do caso)seria dificilmente compatível com a função do Executivo, como é normalmente concebida. Penso que podemos, portanto, presumir que alguma forma de clemência será concedida aos acusados. Se isto for feito, será realizada ajustiça sem debilitar a letra ou o espírito da nossa lei e sem se propiciar qualquer encorajamento à sua transgressão. 

O Caso dos Exploradores de Caverna  - Lon FullerDonde viven las historias. Descúbrelo ahora