Foster, J.

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Espanta-me que o presidente do Tribunal, em um esforço para escapar às dificuldades deste trágico caso, tenha adotado e proposto a seus colegas uma solução simultaneamente tão sórdida e tão simplista. Eu acredito que há algo mais do que o destino destes desafortunados exploradores em juízo neste caso; encontra-se em julgamento apropria lei desta Commonwealth. Se este Tribunal declara que estes homens cometeram um crime, nossa lei será condenada no tribunal do senso comum, inobstante o que aconteça aos indivíduos interessados neste recurso de apelação. Pois, para que nós sustentemos que a lei que fazemos observar e enunciamos nos compele a uma conclusão da qual nos envergonhamos e da qual apenas podemos escapar apelando a uma exceção que se encontra na dependência do capricho pessoal do chefe do Executivo, parece-me esquiva ler a admitir-se que ela não pretende realizar a justiça.

No que me concerne, não creio que nossa lei conduza obrigatoriamente à monstruosa conclusão de que estes homens são assassinos. Creio, ao contrário, que ela os declara inocentes da prática de qualquer crime. Fundamenta-se a conclusão sobre duas premissas independentes, cada uma das quais é por si própria suficiente para justificar absolvição dos acusados.

A primeira, é certo, é suscetível de oposição enquanto não for considerada de modo imparcial. Afirmo que o nosso direito positivo, incluindo todas as suas disposições legisladas e todos seus precedentes, é inaplicável a este caso e que este se encontra regido pelo que os antigos escritores da Europa e da América chamavam "a lei da natureza" (direito natural). Funda-se este entendimento na proposição de que o nosso direito positivo pressupõe a possibilidade da coexistência dos homens em sociedade. Surgindo uma situação que torne a coexistência impossível, a partir de então a condição que se encontra subjacente a todos os nossos precedentes e disposições legisladas cessou de existir. Desaparecendo esta condição, minha opinião é de que a coercibilidade do nosso direito positivo desaparece com ela. Nós não estamos habituados a aplicar a máxima cessante ratione legis, cessa et ipsa lex ao conjunto do nosso ordenamento jurídico, mas creio que este é um caso em que esta máxima deve ser aplicada.

A proposição segundo a qual todo o direito positivo fundamenta-se na possibilidade de coexistência dos homens parece insólita não porque a verdade que ela contém seja estranha, mas simplesmente em razão de que se trata de uma verdade tão óbvia então abrangente que raramente temos a ocasião de expressá-la em palavras. A semelhança do ar que respiramos ela penetra de tal modo a nossa vida que nos esquecemos de sua existência até que dela somos subitamente privados. Quaisquer que sejam os objetivos buscados pelos vários ramos do nosso direito, mostram-nos a reflexão que todos eles estão voltados no sentido de facilitar e de melhorar a coexistência dos homens e de regular com justiça e equidade as relações resultantes de sua vida em comum. Quando a suposição de que os homens podem viver em comum deixa de ser verdadeira, como obviamente sucedeu nesta extraordinária situação em que a conservação da vida apenas tornou-se possível pela privação da vida, as premissas básicas subjacentes a toda a nossa ordem jurídica perderam seu significado e sua coercibilidade.

Se os trágicos acontecimentos deste caso tivessem tido lugar a uma milha dos nossos limites territoriais, ninguém pretenderia que nossa lei lhes fosse aplicada. Reconhecemos que a jurisdição tem base territorial. As razões desse princípio não são de nenhum modo óbvias e raramente são examinadas. Penso que esse princípio baseia-se na suposição de que só é possível impor-se uma única ordem jurídica a um grupo de homens se eles vivem juntos dentro dos limites de uma dada área da superfície da terra. A premissa segundo a qual os homens devem coexistir em um grupo encontra-se, portanto, à base do princípio territorial, bem como de todo o direito. Pois bem, eu sustento que um caso pode ser subtraído da esfera de abrangência coercitiva de uma ordem jurídica tanto por razões de ordem moral quanto por razões de ordem geográfica. Atentando aos propósitos do direito e do governo e às premissas subjacentes a nosso direito positivo, concluímos que estes homens, quando tomaram sua trágica decisão, estavam tão distantes de nossa ordem jurídica como se estivessem a mil milhas além de nossas fronteiras. Mesmo em um, sentido físico, sua prisão subterrânea estava separada dos nossos tribunais dos nossos oficiais de justiça por uma sólida cortina de rocha que só pôde ser 10removida depois dos maiores dispêndios de tempo e de esforço.

O Caso dos Exploradores de Caverna  - Lon FullerWhere stories live. Discover now