Capítulo bônus

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Stelly entra no escritório e eu fecho a porta atrás de mim. Tento controlar os meus nervos o melhor que posso, esta não é uma daquelas situações em que eu posso apenas esbravejar e tudo se resolve, infelizmente. O que ela fez, ou melhor, o que não fez foi imperdoável e eu admito eu teria uma reação exatamente igual à que Belle teve, talvez até pior.

- Sente-se, Stelly.

Ela me olha com um certo tom de malícia ao mesmo compasso que de receio. Desde que começou a trabalhar aqui ela carrega esse mesmo olhar, principalmente quando estamos sozinhos. Conheço bem esse tipo de pessoa, bem até demais e de uma maneira que eu desprezo. Ela se acha superior aos outros empregados, mas sabe que aqui a minha palavra é a última. Devo confessar que, apesar de ela fazer bem o seu trabalho, sua personalidade cansa, mas eu nunca tive motivo bom o suficiente para demiti-la. Nunca tive, até agora.

Sentei-me na minha cadeira e soltei um longo suspiro.

- Stelly, diga quem é o dono deste lugar.

- O senhor...? - Ela arrisca, com a testa franzida.

- E isso significa que eu sou o seu patrão, não é? - Ela assente, ainda sem entender direito o porquê dessas perguntas. - Muito bem. Agora, diga quais foram as tarefas que lhe atribuí quando Belle chegou.

- Eu tinha que ensiná-la como as coisas são feitas nessa casa.

- Certo, e como você deveria fazer isso?

- Eu...

- Tenho certeza que trancá-la por horas e horas, esquecê-la no quarto a ponto de deixá-la faminta e não avisá-la sobre o enterro dos pais dela não estava incluído na sua lista de tarefas. - Interrompo, com a voz firme.

- Senhor, eu...

- Não tente se explicar! O que você tinha que fazer era mostrar a casa a ela, os horários em que as refeições são servidas, onde ela pode conseguir o que quer que precise e coisas assim, que você poderia fazer em questão de horas, Stelly! Você enrolou por uma semana! Você a prendeu no quarto por dias! Você não deixou que ela visse os seus pais uma última vez, não a deixou se despedir! Sabe o quanto isso é cruel? Qual é o seu problema?

- Eu só...

- Não tente nada agora, você está demitida! - Respondo, ríspido.

Ela solta um arquejo.

- Por favor, reconsidere, senhor.

- Está feito, saia daqui. - Rosno.

- Eu posso fazer o que você quiser, senhor. - Ela implora, levantando-se e chegando cada vez mais perto de mim.

Stelly desabotoa sua camisa e o meu cinto.

- Pode?

- Posso. - Ela sussurra, abrindo um sorriso malicioso. Chega a ser engraçado vê-la tentando se manter aqui usando métodos tão baixos.

Sorrio para ela também.

- Então saia desse escritório, da minha casa e nunca mais volte. - Sussurro de volta, perto do seu ouvido.

Stelly engole em seco e se afasta, lentamente, a princípio, mas logo o som dos seus passos se acelera.

Não saí do escritório depois disso, nem sequer fiz questão. Sei que Adrian virá em pouco tempo. Desde criança ele tem cuidado de mim e dele eu recebo os conselhos mais preciosos, sempre que eu fazia alguma besteira, eu corria até ele e pedia sua ajuda. Adrian sempre me dizia para ser honesto com o meu pai, e eu era. Precisava de coragem para encará-lo, apesar de ele sempre ser bondoso com todos, e essa coragem vinha de Adrian. Isso não mudou com o passar dos anos.

Não demorou muito para ele passar pela porta, como eu já imaginava.

- O que aconteceu? - Ele pergunta, sentando-se.

- Eu a demiti.

- Isso eu sei, quero saber o que fez a ela para sair chorando daquele jeito.

- Eu fiz o certo. Ela fez algo imperdoável a Belle, a punição dela foi ir embora, Stelly não aceitou e tentou me convencer de uma maneira não muito ética a não demiti-la. Eu neguei. Isso é tudo.

Adrian sorriu.

- Eu geralmente não falaria isso, mas sendo sincero, já era tempo de fazer isso. Belle que o diga. - É a minha vez de sorrir.

- Falando nela, como ela está?

- Não sei, desde que você disse para ela subir não saiu mais do quarto. E eu não acredito que ela venha se abrir para mim tão facilmente.

- Ninguém faria, é verdade, mas não custa perguntar.

Adrian olha no fundo dos meus olhos. Em questão de segundos, seu sorriso desaparece.

- Você gosta dela.

O silêncio demorou um pouco a ser quebrado, foram os segundos mais constrangedores do meu dia.

- Por que acha isso? - Arrisco, forçando uma risada. - Eu nunca disse que gostava dela.

- Não precisaria, eu vejo como você olha para ela, Adam. É quase como você olhava para a Alexia, mas com Belle parece mais intenso. - Cerro os punhos.

Ele realmente tinha que trazer Alexia à tona?

- Eu gostaria muito de passar mais um dia sem lembrar da Lex e do nosso passado juntos, o que tem se mostrado cada vez mais impossível. - Ele revira os olhos.

- Eu já disse que nesse caso o melhor que você pode fazer é deixar para lá. Ficar remoendo esse tipo de mágoa só vai te fazer piorar.

- Sei disso, Adrian, mas é difícil. Até hoje tenho problemas na empresa por causa dela.

- Esqueça a Lex! Foque no que está acontecendo agora, foque na Belle.

Deixo que um meio-sorriso apareça no meu rosto.

- A simples presença dela me faz relembrar de muitas dores no passado, sabe bem do que estou falando. - Digo. E, infelizmente, não é mentira.

- Sei sim - assente -, e acho que é por isso que se importa com ela.

- Eu não me importo.

Adrian ri com escárnio.

- Claro que não, só demitiu alguém por ela.

- Fiz o que você acharia certo fazer. - Rebato.

- Chegou a pensar em mim num único momento enquanto o fazia? - Abro a boca para responder, mas dela nada sai. - Aí está sua resposta, você gosta dela sim. Ou você é um péssimo mentiroso ou se recusa a ver uma coisa que está logo abaixo do seu nariz.

- Se acha que está tão certo sobre o que eu penso ou o que deixo de pensar sobre a garota, diga porque nós sempre brigamos.

- Porque você é um idiota quando quer. Porque Belle está confusa. Porque você foi tão machucado pela Lex que se fecha quando uma pessoa nova aparece.

Suspiro. Pelo menos sobre mim, ele tem razão.

- Já não está na hora de você ir embora? - Pergunto.

Ele riu mais uma vez.

- Acredito que sim. - Adrian levanta e caminha em direção à porta, mas para antes de sair. - Só para você saber, eu não costumo errar.

- Você não precisa repetir uma coisa que eu já sei há anos, mas acho que dessa vez é diferente.

- Veremos.

Sombras da Luz (Pausada)Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt