Capítulo III

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- Mesa 3, uma salada de frango sem milho e na mesa 5, um hambúrguer com cebola e bacon e meia dose de peixe com batatas fritas. - Ava deu a informação sobre o pedido e dirigiu-se à caixa onde alguns clientes queriam pagar. - Jenny, o que se passa hoje para o restaurante estar cheio a uma segunda-feira?

- Estas pessoas vêm do estádio, houve jogo.

De facto, o restaurante estava cheio. Os clientes não paravam de entrar e sair, os empregados deslizavam pelo chão de madeira com pratos prontos a servir e a cozinha estava quase no ponto de rutura.

Por volta das 23:30 o seu turno acabou e a rapariga pôde retornar a casa. Trocou de roupa na casa de banho e dirigiu-se para a porta.

- Ava! - gritou Jenny de dentro do carro. - Eu dou-te boleia, miúda.

Ela entrou no Volkswagen Fusca castanho e apertou o cinto. Ava simpatizava com a trintona de faces coradas e cabelo pintado de loiro com as raízes escuras a verem-se. Apreciava a companhia de pessoas mais velhas, mesmo que estas passassem o tempo todo a queixar-se do marido desempregado e deixassem o carro empestado com o cheiro a tabaco.

- Juro que não sei como é que tu sendo tão novinha já aguentas um trabalho destes. Quando eu andava na escola mal aguentava estudar para os testes. Diz lá outra vez onde é que moras?

- É só cortar na segunda à direita. Já agora, trocas de turno comigo na quarta-feira?

- Sem problema, miúda. Adeus.

A rapariga andou mais duas ruas e chegou ao sítio ao qual chamava "casa". O prédio era perfeitamente normal com as paredes feitas de tijolo e escadas de incêndio nas traseiras. Cada andar tinha dois apartamentos espaçosos e confortáveis mas no último dos seis andares havia um pequeno T1 esquecido por muitos. Nele vivia com Isaac, o velho vagabundo de quem era cúmplice, e o gato do mesmo Minouche.

Subiu as escadas do prédio silenciosamente e chegou ao apartamento. Ao entrar deparou-se com Isaac a ler o jornal do metro no sofá coçado e Minouche a tentar apanhar uma mosca do outro lado da janela.

- Chegaste tarde, petite rouquine, foi por causa do jogo? - perguntou Isaac sem tirar os olhos do jornal.

- Foi, o restaurante estava à pinha estava mesmo a ver que o meu chefe me pedia para fazer horas extra. - Ava abriu o frigorífico e frustrada constatou que não havia nada a não ser ovos e uma lata de atum. - Será que não podias ter ido ao supermercado? Não te custava nada. Ah, preciso que me assines uma autorização.

- Ambos sabemos que és tu a mexer no dinheiro por alguma razão. E vá que até sou um avô bem prestável. - retorquiu Isaac com uma gargalhada curta e rouca. - Deixa aí o papel que eu assino e não te esqueças de dar comida ao Minouche.

A rapariga acabou de cozinhar uma omelete e foi ter com o gato para lhe dar uns restos que tinha trazido do restaurante. Já lhe tinha tentado dar ração, mas o felino habituado a uma vida de vagabundeagem e lutas com outros gatos de rua não estava pronto para se tornar num animal doméstico. O mesmo se sucedia com o seu dono. Isaac era o típico sem-abrigo que passava os dias a beber e a andar por aí, mesmo tendo agora um teto e algum sustento. Qualquer um se afastava daquele claramente duvidoso e bêbado homem, todavia eles entreajudavam-se e Ava tinha-se afeiçoado a ele.

- Petite rouquine! - Isaac voltou a dar uma gargalhada curta e rouca ao ver o desagrado que Ava nutria por aquela alcunha que significa "ruivinha" em francês. - Um dos gémeos veio cá devolver-te um livro. Sinceramente estava à espera que lesses algo com mais qualidade.

- E o que sabes tu de livros? Podes falar sobre aquilo que eu leio quando arranjares maneira de contribuir com mais para a renda. - respondeu a rapariga à provocação.

- Chega uma altura em que um homem já viveu tanto que tem o direito de viver o resto dos seus dias como quer e lhe apetece.

Minouche começou a lamber a pata em concordância. Todavia, Ava apenas deu um longo suspiro de irritação. O que tinha ela feito para ter acabado a viver com um homem tão maçador?

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