Trinta e um.

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Deixei com que a água do chuveiro caísse pelo meu corpo, sentindo-o latejar em partes que eu nem sabia que existiam, uma jaqueta de couro e camisa preta me esperavam pacientemente, penduradas atrás da porta do luxuoso hotel em que eu me hospedara. Fiz meu check-in com um nome falso, mas isso não impediu de ser surpreendido com uma fila enorme de garotas me esperando no saguão. Eu queria que o meu ray-ban pudesse me deixar invisível por alguns minutos a tempo de correr até o primeiro elevador aberto que encontrasse. Em vez disso, sorri para todas elas, me deixando ser levado pela multidão, bem como fazia em Nova York, algumas me agarraram, selando beijos em meu rosto, gritando por um autógrafo na capa do cd do Sugar Lace, o que me obrigou a abrir a cartilha de letras, e rabiscar a minha assinatura numa de nossas canções mais conhecidas.

"Eu me lembro quando

Ao dezoito, você sorriu para mim

Do alto da escadaria

E uma força maior me dizia

Que seria para sempre.

Esperei para que os meus

Antigos sapatos rasgados

Me levassem de volta

Até você."

Deslizei meu dedo pela folha enquanto ouvia seus acordes dentro da minha cabeça. Suspirei alto demais ao me lembrar em como ela fora escrita, à dez anos atrás, num banco rasgado de um ônibus seguindo para Nova York.

Algumas pessoas dizem que a paixão dura cerca de sete anos. Passando disso, é amor.

Forcei o meu maxilar, tocando a minha cabeça contra a parede, aumentando o volume de água do chuveiro.

Um flashback de todas as garotas que me puxavam nas turnês pelo mundo à fora passou pelo meu pensamento. Procurei por Emma em todas elas.

Tinha dias em que, caminhava por Tokyo ou Amsterdã, sozinho, carregando minhas malas, falando com a minha própria cabeça; como se eu acreditasse que essa força interior de comunicação pudesse ir muito além do que a conhecemos.

"Emma, você consegue me ouvir?" – eu pensava.- "Me encontre. Por favor, me encontre."

Estremeci ao me lembrar. Deixei a água cair pela minha cabeça, fincando os meus dedos sobre meus cabelos coloridos.

- Emma...você consegue me ouvir? – sussurrei comigo mesmo novamente– Por que tudo tem que ser tão complicado?

Tentei silenciar a minha cabeça, mas partes daquela canção me encontravam no final.

"Meus pés não conseguem mais caminhar sozinhos

Desde o dia em que te encontrei.

Eu tinha dezoito, e você sorriu para mim,

Do alto da escadaria

E agora eu não sei

Como seguir, sem você aqui."

Soquei o azulejo caro à minha frente, sentindo o meu corpo fraquejar.

- Emma... – contraí minha mandíbula, sentindo a dor irradiando pelos nós dos meus dedos.

A porta se abriu, num baque surdo, olhei para o lado, encontrando Otto vestido de Bruxa má do Oeste, me jogando uma toalha.

- Por favor, cubra aquilo que eu não quero ver. – virando o rosto para o batente.

Limpei as lágrimas no me rosto, me perguntando se ele estaria vermelho.

- Estamos atrasados! – Ela disse- E você ainda nem se trocou...- tateou minhas roupas, com certo pavor. – Que tipo de fantasia é essa?

Arqueei minha sobrancelha.

- Você nunca assistiu Romeu + Julieta? Aquele com o Leonardo DiCaprio?

- Que tem a Claire Danes?

Afirmei.

- Sei...- ela afastou os dedos da minha fantasia - Isso é tão romântico que sinto náuseas. Sério? Shakespeare? Está mais para uma tragédia grega.

Revirei os meus olhos, sorrindo.

- Você já pensou se tudo isso não sair exatamente como você quer? – ela cruzou os braços para mim, enquanto eu me enxugava. Não me importava se Otto me visse completamente nu, nós costumávamos nadar pelados no rio Platte, já que acabávamos perdendo nossas sungas com a correnteza, de qualquer maneira.

Ela também parecia não se importar muito.

- Pessimismo é tudo o que tenho quanto a isso, Otto. Não gero expectativa alguma, até mesmo porque, da última vez em que nos vimos, Emma praticamente cuspiu no meu rosto, tamanho o ódio que sentia. – olhei pra ela enquanto abotoava minha calça metálica.

Ela arqueou seu chapéu de bruxa para o lado, eu queria poder ter lhe dito que aquele nariz falso estava realmente estranho e que provavelmente ninguém a reconheceria, aquele poderia ser o melhor momento para jogar algumas feitiçaria real contra as pessoas que a odiava durante todos aqueles anos, mas resolvi guardar essa opinião para mim.

- Eu a via vagando pela cidade depois que voltei de Nova York, – Otto suspirou para mim – acho que nunca presenciei uma tristeza tão grande em alguém a medida em que a barriga dela ia crescendo. – deu de ombros – Depois, se casou com Scott e tudo ficou subentendido. Todos acreditam que Matt é filho dele. Eu acreditaria, se não TE conhecesse realmente.

- Você sabe?

- Eu desconfiava no começo, já que todos os bebês tem cara de joelho – ela me olhou com uma careta – mas conforme que Matt ia crescendo, as semelhanças ficavam gritantes. O mesmo nariz, a mesma orelha, boca, e gosto musical ridículo.

Sorri, abobalhado.

- Você gosta da ideia, não é? – ela sorriu de volta para mim – De ter alguém vindo de você.

- É – refleti sobre a minha própria felicidade espontânea. – acho que sim.

Otto jogou minha camisa de cavaleiro.

- Então corra atrás da sua felicidade esta noite, tigrão. – foi até o meu encontro, me abraçando com todo o amor que eu poderia sentir em uma amizade. Envolvi meus braços ao redor de seus ombros, agradecendo mentalmente ao universo por ter me proporcionado uma pessoa tão incrível como amiga enquanto uma canção antiga de Jeff Buckley estourava pela sala, atrás da porta.

Penteei o meu cabelo, afundando meus pés dentro de meus coturnos, tomei fôlego ao me olhar no espelho; um cavaleiro da távola redonda com fios esverdeados saltando pela cabeça, pronto para o resgate da sua vida. Literalmente.

Otto me aguardava dentro de uma limusine alugada, o encontrei tamborilando os dedos no teto solar, o chapéu apontando para a lua cheia acima de nós. Tateei meu bolso em busca daquilo que sempre andara comigo.

Um colar feminino, roubado, mas nunca esquecido.

- Anda logo, vamos perder as melhores músicas para dançar, e quero estrear meus saltos n-o-v-o-s! – ela balanços os braços para mim. Corri até a porta carregando a armadura comigo.

Uma ironia.

Tudo o que eu estava, naquele momento, para Emma, era desarmado.

Completamente.

Quando os lobos saemWhere stories live. Discover now