Olhe a lua

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De manhã bem cedo, o príncipe saiu em busca de algo para comer, o que não tardou a encontrar na cabana de um guarda-florestal, onde se abasteceu, por muitos dias, de tudo o que um bravo príncipe julga necessário. E tendo comida o bastante para sua subsitência imediata, não sentiu necessidade de mais nada. Quando lhe sobrevinha algum tipo de preocupação, o príncipe sempre conseguia afastá-la da forma mais principesca.

Depois da refeição, ao voltar para sua gruta de observação, viu a princesa flutuando no lago, sob as vistas do rei e da rainha - que ele reconheceu por suas coroas - e acompanhada por grande quantidade de encantadores barquinhos, como dosséis de todas as cores do arco-irís e bandeirolas e flâmulas ainda mais coloridas.

Em um dia muito ensolarado, e o príncipe, incomodado pelo calor, logo começou a desejar o frescor da água e da princesa. Mas tinha que suportar até o anoitecer, pois os barcos levavam provisões a bordo, e o festivo grupo só partiria ao pôr do sol. Um após outro, os barcos foram rumando para a margem, até que restou apenas um, provavelmente o da princesa. Mas ela ainda não queria ir para casa, e o príncipe teve a impressão de vê-la fazer sinal para que o barco partisse sem ela. O que acabou acontecendo. Agora, de todo aquele grupo animado restava apenas uma mancha branca. Então o príncipe começou a cantar esta canção:

Minha bela dama,

branca como um cisne,

ergue teus olhos,

faz a noite clarear

pelo simples poder

de teu lindo olhar.

Braços graciosos,

remos muito leves

brancos como a neve

tragam-na para cá

muito de mansinho

bem devagarinho.

Acompanha-a bem de perto,

no espelho do lago,

um halo radioso!

Seguindo a candura,

doce radiante

da deslumbrante alvura!

Não se afastem dela,

ó águas azuis,

não a deixem só,

tais são meus desejos,

acerquem-se dela

e cubram-na de beijos.

Venham ter comigo,

ó tristes espumas,

Tragam-me o consolo,

que pra mim é um céu,

de ter-lhe beijado

os lábios de mel.

Antes de o príncipe ter terminado de cantar a melodia, a princesa já se encontrava abaixo do lugar onde ele se tinha acomodado, a procurá-lo. Seus ouvidos não a tinham enganado.

- Que tal uma queda, princesa? - Perguntou o prícipe, olhando para baixo.

- Ah! Cá está você! Sim, por favor, príncipe! - exclamou a princesa.

- Como você sabe que sou um prícipe, princesa?

- Porque você é um jovem muito elegante, príncipe - ela afirmou.

- Então venha até aqui, princesa.

- Puxe-me para cima prícipe.

O príncipe tirou o lenço do pescoço, o cinturão de onde pendia a espada, a túnica, amarrou-os um ao outro e fê-los descer até a princesa. Mas, como a corda improvisada era curta demais, ele desenrolou o tubante, atou-o à "corda" e acrescentou também a bolsa de moedas. A princesa conseguiu agarrar o nó que continha o dinheiro e logo se viu ao lado do jovem. Aquela rocha era muito mais alta do que a outra, de forma que o impacto e o mergulho foram espetaculares. A princesa estava em estado de felicidade êxtase, e eles puderam desfrutar do enorme prazer enquanto nadavam juntos.

Noite após noite eles voltavam a se encontrar e se punham a nadar no lago escuro e transparente. E tal era a euforia do príncipe (seja porque o espírito da princesa o contagiava, seja porque estava realmente ficando um tanto aéreo), que ele muitas vezes imaginava estar nadando no céu e não no lago. Mas, quando ele dizia sentir-se no céu, a princesa ria francamente dele, sem procurar dissimular.

Quando a lua apareceu, truxe-lhes um novo contentamento. Ao luar, tudo parecia estranho e novo, como uma novidade antiga e decadente, mas ao mesmo tempo absolutamente pura. Quando a lua estava quase cheia, um de seus maiores prazeres era mergulhar fundo, girar o corpo e olhar através da água a grande mancha de luz que ficava logo acima deles, cintilando, tremeluzindo e ondeando, alongando-se e contraindo-se, parecendo se dissolver, para em seguida solidificar-se. Mas logo atravessavam a mancha e... oh! Lá estava a lua, bem no alto, clara, firme e fria, solitária e encantadora, no fundo de um lago mais profundo e azul do que o deles, dizia a princesa.

O príncipe logo descobriu que, enquanto estava na água, a princesa era igual a todo mundo. Além disso, dentro do lago ela não fazia perguntas tão impertinentes nem dava respostas tão atrevidas como quando estava em terra. E também não ria tanto e, quando ria, era de uma forma mais delicada. Ela se mostrava muito mais modesta e mais pudica na água quem em terra. Mas quando o príncipe, que ao cair no lago já caíra de amores pela princesa, começava a falar de seu amor, ela voltava o rosto para ele e se punha a rir. Depois de algum tempo, ela pareceu embaraçada, como se, embora fizesse um esforço para entendê-lo, não tivesse a menor ideia que ele queria dizer. Mas quando ela saía do lago parecia tão transtornada que o prícipe dizia consigo mesmo:"Se eu me casar com ela, não vejo saída senão tornar-me um tritão, e ela, uma sereia, para juntos ganharmos o mar imediatamente".


A Princesa FlutuanteWhere stories live. Discover now