Capítulo 11 - Tijolo Por Tijolo

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Quebrado.

Era isso que João estava, sobre a cama do hospital. Não por fora porque, ironicamente, ele não havia quebrado nenhum osso dessa vez. O médico disse que ele havia tido sorte por ter caído, do segundo andar do prédio, bem em cima de um monte de areia, de modo que a única coisa que ficou mais próximo de ser destruído havia sido seu rosto.

Sorte, foi a palavra que o médico usara.

Quebrado, era a palavra que João Gabriel preferia.

Porque não havia sido só seu rosto que fora destruído, mas também sua mente. Ele conseguia sentir cada pedacinho estraçalhado balançando na sua cabeça, numa sintonia perfeita que dizia sempre as mesmas palavras:

— Você falhou. Você falhou. Você falhou. Outra vez, você falhou.

O jeito com que seu coração comprimiu em seu peito fazia parecer que João estava num filme de terror em que o poltergeist estava arrancando-o com os dedos. Não que ele já tivesse sido agarrado por um fantasma antes, é claro, mas ele suspeitava que era aquela sensação.

O estômago, apesar de vazio, parecia ter um enorme peso também, embrulhando, dando voltas, provocando a bile a subir pela garganta a cada minuto que algum enfermeiro abria a porta para conferir se João ainda estava vivo.

Sim, ele estava.

Não queria estar. Mas estava.

Ele conferiu mais uma vez seu próprio corpo, sem acreditar que havia saído quase que ileso daquela tentativa idiota de voar. Como é que ele pode? Como é que ele pode cair nas ilusões de sua mente de novo? Depois de todas as outras vezes, como ele ainda conseguia ser enganado?

Mas, apesar de sentir dor em cada pedaço do corpo, não havia nenhum machucado. O médico também havia dito que não houvera nenhuma fratura interna. De modo que o saldo total de sua atitude burra e injustificável era um rosto cheio de arranhões causados pelos grãos de areia.

E a sensação de culpa crescendo como uma bola de neve em dia de tempestade de inverno, claro.

A porta se abriu pela décima vez naquele dia e João soltou um suspiro, afundando-se na cama de novo. Mas não era nenhum médico. Não era nenhum enfermeiro. Era muito pior do que se fosse os dois juntos, porque era Marcos e Pedro. Os únicos amigos que ele tinha em Ponte Belo (e fora dela também, ele tinha de admitir) e as últimas pessoas que ele queria ver.

— E aí, Batman? Acordou? – Pedro deu um sorriso que quase beirava o despreocupado, não fosse a pequena ruga entre as sobrancelhas ruivas.

— Como? – João tossiu, sentindo a garganta seca – Me encontraram?

— Por sorte nossa, Daniel estava de plantão e te reconheceu assim que os paramédicos te trouxeram.

— Sorte mesmo – Marcos disse, sem esconder a carranca como Pedro tentava – Porque seu celular não teve tanta sorte quanto você na queda.

— Você estava tentando voar? – Pedro falou, ainda em tom leve.

Pedro, seu amigo ruivo, era alguns anos mais novo que João e ele não se lembrava como exatamente se tornaram amigos. Provavelmente quando ele surtou dentro do campus e foi socorrido por Marcos, o coordenador, e por Pedro, professor do prédio que ficava em frente ao de Letras. João Gabriel acreditava que Pedro apenas estava passando no lugar errado, na hora errada, quando tudo aconteceu. Mas, desde então, os dois acabaram se aproximando, trocando livros, indicações, conversas acadêmicas e literárias, e tornado amigos.

O ruivo era muito diferente de Marcos, é claro. Marcos era mais velho, tinha aquela pose responsável de líder, de quem cobra, que o fazia ser um excelente coordenador e que não conseguia abandonar nas horas vagas. No geral, a lição de moral ficava para Marcos. Mas era a tranquilidade forçada de Pedro que sempre preocupava João.

Diversas Formas de Nós [COMPLETA]Where stories live. Discover now