I. Em queda

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Sentada na velha ponte de madeira observava o meu reflexo na água. O vento soprava chicoteando contra a minha pele enquanto movia as águas. Momentos como esse sempre me acalmavam, era reconfortante. E a tempestade que se formava sob o céu acima de mim se parecia muito comigo, atormentada.

Lembro-me que quando criança eu dizia a minha mãe que queria crescer, mas o que eu não esperava era crescer sem ela. Lembro-me de imaginar meu pai me levando a faculdade e dizendo que eu deveria ficar longe dos meninos, mas isso nunca aconteceu. Pelo contrário à minha primeira conversa estranha sobre sexo foi com o meu tutor, Nash, e ele se aprofundou demais na parte sobre DST. Foi traumatizante. Talvez hoje eu seja insana e louca, porém aprendi a rir das desgraças que acontecem. A dor acabou se tornando parte de mim, ela se intensifica todos os dias quando penso na saudade que sinto deles. Confesso que ás vezes eu sinto falta de casa, do cheiro de panquecas frescas todas as manhãs e do som das risadas deles. Eram como música para os meus ouvidos. A verdade é que eu sinto falta deles. Todas as manhãs como está pego-me de olhos fechados transportando para as memorias dos momentos em que estávamos juntos, momentos que hoje parecem tão distantes. E ainda que não estejam por perto guardo o detalhe dos rostos deles no fundo do meu coração.

A morte deles foi dolorida para mim e sempre tenho flashes daquela noite. Observava minha mãe cuidar do jardim, ela cortava alguns ramos de rosas e me pediu para pegar um vaso para coloca-las. Corri para dentro da casa e apanhei um como ela havia me pedido enchendo-o de água, tive a brilhante ideia de correr com ele de volta ao jardim e caí em cima do mesmo me cortando. O corte em minha mão nem era tão grande, entretanto como toda criança chorei. Ela veio até mim me pegou no colo analisou o pequeno corte em minha mão e sorrio tentando me acalmar, cuidou do meu ferimento e disse com sua voz aveludada que tudo ficaria bem. Savannah só não pode cuidar do ferimento seguinte. Naquele mesmo dia após meu pai chegar do trabalho ele decidiu nos levar para jantar. O jantar foi calmo e cheio de risadas, mas na volta as risadas cessaram e o pequeno ferimento de horas antes não podia se comparar com o que se seguiria. Alguns adolescentes bêbados decidiram ir embora de uma festa após uma briga, o carro deles perdeu o controle e bateu no nosso. Savannah e Albert não resistiram. Fiquei em coma por duas semanas e quando acordei Nash Mitchell, na época um cara de vinte anos, era o meu tutor. Essa foi a primeira vez que senti dor de verdade.

-Você está pronta? -levei um susto ao ver a figura ruiva parada ao meu lado com um grande sorriso no rosto.

Ela era linda, branca como a neve e seus olhos verdes penetrantes realçavam suas sardas que ela se esforçava tanto para esconder com maquiagem, seu corpo esbelto e a cintura fina chamavam atenção. Lesley Stuart, minha melhor amiga, era linda e muito mais bela do que eu.

-Estou -respondi sorrindo para Lesley.

Corremos um pouco até Howie, o jipe Troller verde dela, e nos enfiamos dentro dele arrancando para fora dali.

-Quebrar as regras é tão emocionante! -Lesley disse pisando fundo no acelerador. Soltei uma risada negando com a cabeça.

O esquema de convivência com Nash era "simples" eu só precisava obedecer às regras e tudo estava bem entre nós. As condições eram:

1. Eu mando aqui.

2. Me obedeça.

3. Não minta para mim.

4. Da escola para casa.

5. Se for sair avise.

6. Não ande sozinha por aí.

7. Não cause problemas.

8. Qualquer problema me ligue.

9. Não entre no meu escritório.

10. Se tiver alguma dúvida, volte ao item um.

Passei seis anos da minha vida seguindo-as perfeitamente até que Lesley como a bela amiga que é me faz quebrar praticamente todas elas. Eu estava quebrando as número dois, três e cinco. Bom a cinco em partes, porque se eu me lembro bem eu havia pedido para ele me deixar ir a tal festa de iniciação do ensino médio, que eu não havia ido nos dois anos anteriores por ele não ter permitido, e a resposta dele não me surpreendeu. Lesley foi na do ano passado e disse que não era a mesma coisa sem mim, então arquitetou um plano mirabolante para me fazer ir e aqui estamos nós.

-Emocionante vai ser se ele descobrir, já posso ver ele bebendo o meu sangue de canudinho -fiz uma careta fazendo mimica. Ela revirou os olhos.

-Akira não deixaria isso acontecer -seu sorriso realçado pelo gloss rosa ainda estava ali.

-Isso nunca aconteceu antes então não posso opinar.

Ela me ignorou ligando o rádio e aumentando o volume.

Caramba, felizmente ou infelizmente eu sobrevivi e hoje sou um milagre de dezesseis anos a caminho de uma festa do colegial onde há inúmeros adolescentes bêbados assim como os que bateram no nosso carro a seis anos atrás. E quebrar as regras de Nash me faz parecer ingrata. Sinceramente espero que Akira não deixe ele drenar o meu sangue. Estamos nesta estrada a quase duas horas e nem sinal de ninguém. O carro parou de repente no meio do nada e ela saiu do mesmo me deixando para trás. Me apressei em abrir a porta e fazer o mesmo sendo pega por uma corrente de ar frio que me fez encolher. Olhei em volta enxergando apenas o topo de grandes árvores graças a pouca luz da lua que iluminava o local.

-Les, porque estamos no meio do nada? -sussurrei para ela que pegava alguma coisa no porta-malas do carro com dificuldade.

Não obtive resposta então caminhei até ela abraçando os meus braços.

-Você já vai descobrir -disse a ruiva após fechar o porta-malas e quando dei por mim estava dentro da floresta sendo guiada por ela que segurava a minúscula lanterna em mãos iluminado o local.

Caminhamos ao que pareceu dez minutos em uma pequena trilha e eu já conseguia ouvir uma voz masculina falando de algum lugar. Ela parou em frente a um arbusto grande passando entre ele e eu fui atrás. Estava um completo breu ali e de algum lugar alguém falava usando um alto falante.

-Este ano precisa ser diferente, precisamos mostrar para o que viemos. Portanto veteranos sejam bem-vindos e calouros tomem cuidado! Que a diversão comece! -de repente tochas de fogo se acenderam por todo lugar e gritos eram ouvidos. Pessoas saiam do meio do nada e corriam para perto do que parecia ser um palco improvisado onde um Dj estava juntamente com o cara do alto falante.

Eu já havia escutado boatos do que acontecia aqui assim como todas as outras pessoas, mas eu não esperava que fosse assim. Fazia apenas quinze minutos que eu estava ali e o cheiro de testosterona misturada com bebida alcoólica impregnava minhas narinas. Meus pulmões estavam se enchendo de surto adolescente.

A música ensurdecedora que tocava fazia Lesley gritar para que eu pudesse escuta-la e minutos depois ela havia me puxado para o meio da pista onde havia um grande número de adolescentes bêbados dançando, se agarrando sem pudor e entrando em coma alcoólico. Ela me entregou uma bebida que ela pegou de alguém ali rindo e eu tomei metade devolvendo a garrafa para ela. Eu já estava ferrada, não custava ferrar um pouco mais. Passei as mãos na lateral do meu corpo e joguei o cabelo para o lado sorrindo, mexi o quadril no ritmo da música e senti que estava sendo observada. Virei a cabeça me deparando com dois pares de olhos acinzentados. Sua pele morena como avelã contratava com seus olhos. Seu cabelo bagunçado de um jeito despojado e sua blusa xadrez preta dobrada até os cotovelos deixava seus músculos marcados e suas veias visíveis comprovando seu corpo atlético. Seus cabelos eram tão negros quanto a noite e o seu olhar marcante.

As coisas ao meu redor parecem sair de foco por um segundo e depois de novo até que me vejo sendo consumida pela tontura perdendo a consciência.

SubmersaWhere stories live. Discover now