- Petrichor -

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Hoje o céu noturno começou a chorar
Certamente porque nós dissemos adeus

As últimas palavras que você disse

Eu carreguei sozinho, pensando e repensando


Loren correu até que seus braços envolvessem a calorosa cintura de sua mãe. Sentiu seu cheiro suave enquanto sorria e recebia um carinho na cabeça. Ouviu a voz do seu pai chamando-a e choramingando que não ganhava um abraço daqueles também. A garota apenas ria, soltando a mãe para jogar-se no pai e afundar-se em sua barba escura que roçava nas orelhas dela. Os dois nem saíram da entrada de casa, os guarda-chuvas pingando por todo o chão, um trovão ressoando a distância e fazendo a filha apertar-se mais àquele calor com cheiro de canela do bolo que sua mãe assara mais cedo.

Seus olhos se abriram ao som de outro trovão e Loren encarou o teto azulado de seu quarto. A luz da rua que entrava pela janela aberta fazia sombras das gotas de chuva que incessantemente acertavam o vidro, escorrendo sem parar e criando inúmeras formas fantasmagóricas pelas paredes de seu quarto. Todo aquele escuro, aquele azulado, aquelas cores frias... era tudo muito diferente do sonho que estava tendo e para o qual desejava intensamente retornar. Já fazia quase uma década que seus pais haviam falecido em um acidente de carro, mas Loren ainda se pegava sonhando diversas vezes com eles voltando para casa com seu calor e seu carinho.

Ela sempre odiara a chuva. Desde criança, com seu medo de trovões. Desde adolescente, quando aquele aguaceiro arruinava passeios e encharcava suas roupas. Desde a morte de seus pais, quando fora ela que tirara a vida deles.

Mesmo depois de adulta, em noites de tempestade como aquela, ela se via acendendo velas perfumadas, que iluminavam o quarto com cores quentes e a faziam voltar ao sono perdido. Sentia-se horrível por ainda ter medo de coisas assim e precisar de um consolo caloroso depois de quase 10 anos, no entanto vivia sozinha em uma casa grande demais para uma só pessoa e o som dos trovões era o que menos a acalmava.

Lembrava-se com clareza ao sentir aqueles tremores sonoros do dia que acabara a luz enquanto seus pais iam até a cidade vizinha buscar ingredientes especiais para um pedido de bolo que sua mãe recebera. Era questão de uma hora de carro, então a pré-adolescente podia muito bem cuidar sozinha da casa. Loren desde cedo fora muito responsável, e se algo por ventura acontecesse, os vizinhos estariam de olho – como sempre. Naquele tempo, o escuro não a afetava nem um pouco. Ela ouvia o barulho da chuva ao fundo, enquanto deixava uma música em primeiro plano e divertia-se olhando o livro de receitas com a lanterna do celular. Mais cedo, sua mãe havia assado um bolo com canela, o favorito da garota, e a cozinha ainda estava aquecida com um cheiro agradável. Tão agradável que Loren acabara adormecendo apoiada no livro, sem nem ao menos desligar a música ou o celular.

Fora um raio que caíra atrás de sua casa que a despertara. O som ensurdecedor do trovão a fez quicar de susto, os olhos arregalando-se ao perceber o quão escuro estava, além de frio. A energia elétrica ainda não havia retornado, e a bateria de seu celular acabara. Depois de alguns segundos, outro raio iluminou a cozinha, e Loren finalmente pôde ver o relógio em cima da geladeira, indicando que já eram quase dez horas da noite.

Com o coração batendo desnorteado por causa do susto, levantara-se trêmula com os pés descalços tocando o chão frio. Chamara seus pais, mas nenhum deles respondera. Eles não haviam voltado e, graças à pista escorregadia e a falta de atenção de um motorista, nunca mais o fariam.

Engolindo em seco, Loren saiu de suas dolorosas lembranças por conta do som de outro trovão. Desde então, passara muitas noites tempestuosas sozinha e já estava quase acostumada com elas. O problema era essa imersão no passado que acontecia ao ver a casa fria e escura. Não era sempre e tinha diminuído bastante nos últimos anos, mas quando se via encarando o teto por tanto tempo e as lágrimas escorrendo pela lateral de seu rosto, sabia que não voltaria a dormir naquela noite.

Uma Noite em Vegas - CONTOSWhere stories live. Discover now