XXXIX - Recomeço

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"Ela resplandecia, transfigurada por uma alegria indizível, com o rosto brilhando, belo como uma luz."

in A Papisa Joana, Cross, D. W., Editorial Presença, 2000



Os sons entravam de mansinho nos meus ouvidos surdos. O meu corpo, até ali adormecido, ia captando aos poucos as sensações perdidas, a alma reencaixava-se no invólucro perecível. Estava gelada e impotente. Rocei os dedos na terra para que me prendesse definitivamente à realidade. Foi assim que recobrei os sentidos. Pestanejei para habituar os olhos à luz, tossi para desimpedir a garganta, levantei-me aturdida, apoiando-me numa árvore.

A flutuar perto de Luke Skywalker estava uma esfera metálica com uma cintura de orifícios brilhantes que disparavam dardos luminosos que eu devia evitar com o sabre de luz. Se falhasse, a descarga elétrica causava-me um desmaio.

- Não o faças! – protestou.

Vacilei, apertei o punho metálico da espada desligada.

- Não te escondas de mim, padawan. Assim não te poderei ajudar.

Tentava normalizar a respiração, recolocar o estômago no sítio, deixar de vê-lo como um vulto difuso, fixar a esfera que ainda se desfocava e retomar o exercício.

- Deves deixar fluir a Força. Deixa que seja ela a comandar-te. Não penses!

Nunca julgara que os feixes que a bola flutuante disparava me fizessem perder a consciência. No início, quando começara a intersectá-los com a lâmina do sabre, parecia que iria ser fácil. Conseguira antecipar e aparar todos, ganhara confiança e o orgulho cegara-me. Provocara a esfera que Luke comandava, crendo que se um dos feixes me acertasse não iria causar grande dano, apenas uma queimadura aparente, uma tontura momentânea e pouco mais. Enganara-me.

- E no entanto, estás a pensar. Foges da minha perceção propositadamente, escondes a tua aura quando tínhamos combinado que não o fizesses enquanto durassem os teus treinos. O que mudou?

Estava tão dormente que não me apercebia de que me tinha posto a sorrir. Ele não gostou.

- Ouviste o que te acabei de dizer?

Não me apetecia responder.

Os dias estavam a ser cada vez mais longos, com exercícios ininterruptos e esgotantes. Pouco falávamos. Ele ordenava e eu obedecia. À noite, comíamos em silêncio e eu ia deitar-me para acordar na alvorada seguinte, quando começava a correr até que ele me mandasse parar. Os dias eram compridos mas, por cada dia que passasse, o tempo seria mais escasso e mais precioso. Kram mantinha-se inexplicavelmente inativo.

Liguei o sabre de luz, finquei as botas na relva amarelada.

- Estou preparada – anunciei rouca.

- Ouviste o que te acabei de dizer?

- Ouvi, mestre. Desculpa. Não o faço voluntariamente.

Ele não aceitou a minha explicação, mas preferia continuar com o treino a teimar naquela questão.

- Deixa a Força fluir... Se o fizeres, deixas de te esconder voluntariamente. Como posso guiar-te se não me deixas sentir-te?

- Vou tentar... Vou fazê-lo, mestre.

A esfera começou a disparar os seus dardos luminosos. Eu brandia o sabre de luz deflectindo-os, fazendo-os explodir nos troncos das árvores, abrindo pequenos buracos escuros. A velocidade dos disparos aumentava e diminuía, sem um ritmo preciso para que eu não decorasse um eventual padrão. Servia-me dos olhos, mas também do instinto.

A Criação da LuzTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon