Parte 7 - Acidente L2

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Antes da viagem Hanna programou o robô para manter a casa exatamente como eles deixaram. Ela sempre sentiu dificuldade com coisas que mudava de lugar nas prateleiras ou no quarto. Enquanto isso, Adam olhava-se no espelho e percebia que alguns fios brancos começavam a aparecer na cabeça.

— Estou ficando velho, amor. — Disse ele, que mais parecia ter visto uma assombração.

— Mais velho ou mais experiente? Você não aprendeu nada com os filmes, não é?!

— Aprendi muita coisa com os filmes, inclusive que experiência não tem nada a ver com fios de cabelo. — Retrucou

— Não? Jura? Então me explica só como você se tornou esse cara divertido da noite pro dia. — Hanna sempre viu Adam como um cara sem jeito para lidar com as mulheres.

— Você sabe que eu já assisti de tudo. Então aprendi que se um filme não mostra um homem lutando por uma mulher, ele jamais será um bom filme. — Nesse momento ele olhou bem nos olhos de Hanna, deu um sorriso discreto e voltou a olhar no espelho.

— Sim, mas, onde você entra nessa história?

— Você pode até não saber, mas eu estarei lutando por você. Sempre!

— Olha só... Agora você me surpreendeu! — Disse Hanna que iniciou um sorriso bobo, ficando sem palavras.

— Esse é todo o charme que eu tenho, amor. Não espere mais que isso da minha parte. — Respondeu Adam que realmente não sabia fazer mais nada além de imitar o que viu nos filmes e livros, mas aprendeu um pouco com sua vida passada.

Em frações de segundos, enquanto Hanna terminava de programar o robô, ele parou e pensou se realmente merecia aquela mulher. Foi aí que mais uma vez ele se deu conta de que toda aquela realidade era uma grande mentira, mas uma mentira necessária.

— Estou pronta! — Disse ela, achando que não havia demorado pra se arrumar.

— Nossa, você é sempre rápida assim?— Disse ele com um tom sarcástico.

— Engraçadinho... Agora pega essas malas que já estamos atrasados.

No final da tarde eles pegaram a estrada até Provence e durante o caminho fizeram vários e vários planos sobre o que fariam na cidade. A estrada era perfeitamente agradável e o trânsito era calmo como a vista dos campos da cidade que começavam a surgir na janela do carro. Por mais que você possa imaginar enormes fileiras de lavanda na cor roxa, não vai saber o que é estar cara a cara com uma das mais belas vista do mundo, e essa era a vista deles enquanto chegavam próximo ao hotel em que haviam reservado alguns dias.

Adam já sabia do acidente que estava por acontecer e não conseguiu esconder o nervosismo.

— Por que você está tão nervoso? Eu sei que está ansioso pra tirar um milhão de fotos nessa paisagem, mas fica calmo, tá bem?

— Não é nada sobre a paisagem, Hanna. Não estou me sentindo muito bem. Você poderia trocar de lugar comigo para que eu descanse um pouco?

Adam sabia que se no momento da colisão, Hanna estivesse do lado direito, ela teria menos chances de sobreviver. Sabia também que se fizesse uma parada de alguns minutos antes de chegar ao cruzamento, ele poderia evitar o acidente, mas não foi bem assim que as coisas funcionaram. Eu fui insistente.

— Claro, amor! Podemos trocar um pouco. Apesar de esse carro ser adaptado para deficientes, eu não sou uma boa motorista, mas o piloto automático pode me ajudar. — Hanna aceitou e eles pararam no acostamento por alguns minutos, fizeram uma troca de posições e logo em seguida continuaram a viagem.

Eram quase 8h da noite quando o carro que estava no piloto automático se aproximava de um cruzamento. Adam ficou surpreso ao ver que na lateral, o mesmo carro descia a rua. Mais uma vez, foi inevitável.

Agora pare um pouco de tentar decifrar o que aconteceu e imagine a seguinte cena se passando em câmera lenta:

O carro atingiu a porta direita, onde Adam encontrava-se. Ele tinha o movimento das pernas, logo, conseguiu fazer movimentos rápidos, jogando-se para o lado do motorista. Hanna, apesar de estar em pequena vantagem no lado do esquerdo, não conseguiu de mover. Para uma pessoa paralítica dentro de um automóvel durante um acidente, não resta muita coisa a se fazer. O carro começou a girar e a cada volta que ele dava, Hanna batia com seu corpo nas partes internas do carro. O som do momento era o de colisão, seguido da derrapagem dos pneus no asfalto. Alguns metros adiante, o carro colidiu com uma encosta, capotou e parou, permanecendo de cabeça pra baixo.

Agora volte a velocidade normal e entenda o que aconteceu depois disso:

Com um braço quebrado e cortes por todo o corpo, Adam conseguiu se arrastar pra fora do carro e observou que o motorista responsável pelo acidente havia sumido do local. Não deixou rastros ou indícios de que esteve ali. Então ele olhou bem em volta da cena na esperança de entender como aquele carro poderia estar ali mais uma vez, exatamente no momento em que eles passavam no cruzamento. Confuso, ele correu até a outra porta do carro e se deparou com a pior cena da sua vida. Hanna estava morta. Consegue imaginar o grito desesperador que ele deu depois disso? Pois então, foi bem pior que o primeiro. Terminava ali, a vida da mulher mais linda e feliz daquela noite que nem sequer conheceu os campos de lavanda. Com Hanna entre os braços, Adam sofreu um surto psicótico, perdeu o sentido da razão e então, com a respiração ofegante, ele correu. Correu como se fosse a última coisa que ele pudesse fazer na vida, correu como se nada mais importasse, como quem está prestes a fazer um gol ou participa de uma prova de atletismo nas olimpíadas. Continuou correndo até o cruzamento, mas dessa vez não passou nenhum carro. Ele ficou ali, escondido no acostamento até que o próximo carro descesse a rua. Esse próximo carro apareceu alguns minutos depois e ele se jogou na frente.

Caro amigo leitor, é assim que as coisas acontecem. Adam estava certo sobre sua teoria de que para cada ação existe uma ficção. A ação neste caso seria alterar a posição com Hanna entre passageiro e motorista e a ficção está na forma como ele acreditou que isso salvaria a vida de sua amada.

Novamente, imagine a seguinte cena se passando em câmera lenta:

O carro o atingiu numa velocidade de 82Km/h, que é a velocidade média permitira no cruzamento. Isso fez com que o corpo de Adam sofresse um impacto de aproximadamente 7,5 toneladas. Como quem voa, o corpo dele subiu um pouco mais de 5 metros de altura e durante o tempo em que ele estava no ar, a primeira coisa que veio à sua cabeça foi uma lembrança de quando eles ainda planejavam a viagem. Um Déjà vu na hora certa, um motivo, uma dor e um impacto, todos no mesmo momento, e foi exatamente nesse instante que Adam alcançou todos os fatores para realizar a viagem no tempo. Lembre-se de que: Quanto maior for a lembrança, mais facilmente o objeto manipulador conseguirá escolher um destino no espaço/tempo, mas Adam não teve tempo de lembrar disso.

Seu corpo nem chegou a tocar o chão, pois naquele exato momento ele voltou até o exato dia em que conversavam sobre o avanço tecnológico, um pouco antes de viajar.

Respire, retorne a velocidade normal e entenda o que aconteceu depois disso:

Segundo a teoria de Adam, quando uma viagem no tempo é realizada, uma nova linha no espaço/tempo passa a existir, deixando a anterior paralisada. A partir de agora existem três linhas. Adam está na Linha 3 e você está em todas. Agora é a sua vez de passar por um Déjà vu, amigo leitor, mas se quiser, pode chamar isso de looping.

Looping - Ação e ficçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora