Capítulo Único

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❁❁❁

Estava Morte a vagar pelas ruas de São Paulo quando num lampejo de sobriedade ouviu os berros de uma mulher.

Estava embriagado pelo tédio. Milênios recolhendo as almas dos mortos pode causar um comodismo p
sicológico estarrecedor.

Era o que Morte estava fazendo naquele exato momento. Recolhendo as almas de mais e mais mortos. Os centros das cidades fedem a mortalidade, de uma forma que somente o próprio Ceifador é capaz de perceber.

Como uma faca, aquele grito feminino perfurou-lhe a alma. Jorrou pelo buraco algo que Morte não entendia. Curiosidade? Sentimentos há muito tempos enterrados em seu coração poeirento.

Ele podia sentir. Essa mulher era mãe da humanidade. Dos rios que correm nas veias do mundo. Mas ele podia sentir que haveria uma morte ali.

Vagou até lá, a mente fervilhando em ideias. Mesmo quando não sabia que os gritos vinham de um hospital, já sabia que aquela que gritava estava no processo de parto.

Ao mesmo tempo que sentia que havia algo de muito especial na criança que estava sendo concebida, sentia-se também intrigado por sentir o a aura poderosa que emanava dela. Parecia o cheiro da morte, mas tinha um tom diferente.

Não... não podia ser. A lenda era verdadeira, então?

Fez um muxoxo. Ao invés de ficar teorizando, podia simplesmente chegar no local e averiguar a situação. Esquivando dos médicos que transitavam apressados, ainda que fosse invisível, o Corvo se aproximou de uma sala de parto, onde a grávida berrava e suava, segurando com força a mão de um homem, talvez seu marido.

Morte entrou na sala. E esperou.

Minutos depois, um alvoroço se formou em volta da mãe. A criança finalmente havia nascido. A cesária não foi necessária, mas ainda assim foi um parto difícil.

A Morte se aproximou da criança. Agora fazia-se claro porque o recém-nascido tinha uma aura tão incomum. Sua especulação estava correta.

Olhou no fundo dos seus olhos, e lágrimas lhe regaram a face.

Não porque era pequeno e adorável, mas porque despertava um sentimento em Morte que há muito não sentia.

Vida.

❁❁❁

Os anos se passaram. Morte não deixou de recolher as almas dos mortos, mas sentiu que depois que Vida nasceu, as mortes diminuíram drasticamente.

Ele sempre observava a criança, que crescia saudável e bonita. Era um menino. Cabelos e olhos castanhos, com uma marc de nascença adorável na testa e curiosidade infinita. Amado por todos.

Não era de se admirar. Quem não poderia amar a própria Vida? Até Morte, por mais que relutasse, amava...

Para Morte estava bom. Para si, bastava observar sua alma gêmea crescer. Mas não foi sempre assim. Cerca de 15 anos depois do memorável episódio, algo diferente aconteceu.

O Ceifador observava Dipper, seu amor em forma de menino, quando percebeu que o mesmo caminhava determinado em sua direção.

Ele sabia que era invisível para qualquer ser vivo, mas naquele momento de ansiedade várias paranóias lhe furtaram a mente. Tentava convencer-se de que não havia nada demais, mas o garoto vinha para o exato ponto em que ele estava, e mantinha contato visual.

O Corvo entrou em pânico. Cogitou sair correndo, mas já era tarde. O garoto jazia parado a poucos centímetros de si, impelindo-o a recuar.

Vida olhou para cima e encarou o Ceifador, que era vários centímetros mais alto que ele.

Morte ❁ Billdip [ONE-SHOT]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora