Carta Suicida

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Adeus.

Quando eu era pequeno me ensinaram que o mundo não suportava minhas histórias, que pessoas como eu estão fadadas a morrer. Eu irei para um lugar chamado "inferno". Dizem-me que é pra lá que as pessoas iguais a mim vão, então finalmente encontrarei alguém que sente exatamente o que eu sinto? Não estarei mais só?

Eu gostaria de saber como serei encontrado, será que daqui a alguns anos alguém se lembrará de mim?

Costumava pensar que meus amigos permaneceriam se eu me assumisse, os únicos que ficaram foram as pessoas que nunca me prometeram nada, que antes nem sabiam da minha existência.

Eu vou ser esquecido, eu vou ser só mais um entre vários.

Desculpe, mas não tenho a força necessária para continuar aqui, eu já perdi esta guerra.

Eu já perdi mesmo antes de ter começado.

Não importa o quão duro eu tenha tentado, o resultado não mudaria, ele nunca mudou... Me acorde quando eu tiver coragem para morrer, eu estou muito assustado para tentar. Eu sou só mais uma vida desperdiçada, então gostaria que este fosse meu adeus final.

A fama não é necessária, o pode torna as pessoas fúteis, ele nos corrompe e nos mata aos poucos. A mortalidade é algo imaginário, somente um teste para nossa memória.

Dê-me coragem para ir, corte minhas asas para que eu não possa mais voar, eu quero pular e sentir o vento por uma última vez. Eu não me preocupo com a tristeza dos outros, pois sei que a mesma não existirá. Disseram-me que pessoas como eu não são amadas, por que alguém daria falta justamente de mim?

Eu já parei de ter esperanças, de tentar cantar, de viver. Eu parei, só parei...

Então este é o meu adeus.

Michael prendeu na janela do prédio abandonado o pequeno envelope com fita adesiva, suas palavras finais estavam guardadas naquele pacotinho de papel branco, provavelmente borrado pelas lágrimas que caíram enquanto escrevia.

A faixa que comprimia seus seios estava mais apertada que o normal tornando a respiração mais difícil. Ele não estava nem aí, já que não fora lhe dado o livre arbítrio de viver como ele mesmo ao menos morreria se mostrando para o mundo.

O prédio era complexo, uma barra de ferro saia da janela do cômodo onde estava e ia até mais ou menos a metade da rua. Sentiu o mundo rodar ao olhar para baixo, era alto, mais do que pensava que seria. O frio percorreu a espinha quando se apoiou em uma cadeira velha para subir a janela, segurando com força na parede e impulsionando o restante do corpo para fora do quadrado sujo de poeira.

Sentiu uma dor enorme ao mudar a passar a mão para fora, olhou para a ferida feita por um caco de vidro que ainda estava preso nas decorações de ferro depois de tanto tempo. Ignorou o sangue e continuou engatinhando pelo metal frio, o vento forte atravessava a rua queimada e fazia barulhos estranhos, Michael associava aquele som desagradável aos gritos dos que morreram queimados no acidente.

Pensou ter escutado um conjunto de vozes rindo, parou para ver se escutava outra coisa, mas somente o silêncio brincava naquele local.

Foi quando sentiu uma mão forte segurando seu calcanhar. O garoto perdeu o ar por poucos segundos antes de sentir o coração acelerando, olhou para trás receoso e quase perdeu o equilíbrio quando viu o jovem de cabelos longos o fitando com certa raiva. Duas outras pessoas ocupavam o quarto empoeirado, caladas e aparentemente perdidas na melancolia do prédio.

- O que pensa que esta fazendo? - a voz do cara era bem mais adulta do que aparentava. – Desce daí, vamos te ajudar. – a mão afrouxou, soltando devagar a perna de Michael.

O garoto olhou para baixo e depois voltou os olhos para a janela, agora as garotas que estavam no fundo do quarto também olhavam para ele. Michael suspirou e engatinhou para dentro do prédio, o adolescente estendeu a mão para que ele se apoiasse na descida da janela e quando finalmente voltou a colocar os pés no chão, três pares de braços vieram em sua direção para um abraço apertado.

- Calma amiga. – a garota baixinha falou enquanto com uma mão acariciava os cabelos negros. – Nós estamos aqui.

- Conta pra gente sua história. – a mais alta completou.

Eles não o conheciam, nunca tinham se encontrado, mas aquilo não importava. Aquela foi a primeira vez que o trio salvou uma vida, aquele foi o início dos anos dourados.

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⏰ Última atualização: Apr 08, 2017 ⏰

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