Prólogo

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Fazia pouco mais de 4 meses que eu e Miguel estávamos formados. Juntos desde o início da faculdade nos tornamos melhores amigos. Terminar o curso médico nos deixava ao mesmo tempo aliviados e temerosos, tínhamos ainda pela frente uma peregrinação entre vários centros de estudos e hospitais nos inscrevendo nas provas de residência. A falta de dinheiro, coisa de estudante, nos obrigava a escolher as cidades mais próximas afim de tentarmos a inscrição. Eu havia ido à Recife realizar minha inscrição e a dele, e Miguel faria o mesmo em Fortaleza, assim economizaríamos passagens.

Na capital cearense, a sede da Escola de Saúde Pública era o local escolhido para centralizar as inscrições das provas. Uma notícia que estava nos classificados de um dos jornais locais anunciava que uma pequena cidade do interior, com apenas 17 mil habitantes, estaria precisando de dois médicos com salário quatro vezes maior do que recebíamos atualmente em nossa cidade nos primeiros plantões após a formatura. De imediato Miguel entra em contato comigo.

− Adriano − disse Miguel ao telefone. − Cara, aqui está cheio de anúncios de emprego no interior para médicos.

− E pagam bem? − Me interessei.

− Pagam sim, o salário chega a ser quatro vezes mais o que ganhamos por aí ralando em plantões, e o horário é de expediente comercial, manhã e tarde.

Em medicina, as mais comuns formas de trabalho são plantões, normalmente de 12 ou 24 horas, ou em atendimentos ambulatoriais, que pode ser como horário comercial. Isso seria bom demais para ser verdade, afinal estar em casa todas as noites, fins de semanas e feriados e ganhar quatro vezes mais seria um sonho. Claro que fiquei tentado em ir. Fiquei com medo de calotes − alguns prefeitos de interior são famosos em contratar e não pagar seus funcionários — por isso precisamos ter alguns cuidados. O principal seria investigar o porquê de uma oferta tão boa e os colegas de profissão de lá mesmo não se interessarem.

− Miguel, como você está em Fortaleza tem como checar estas informações? Fazer o primeiro contato e ver o que eles precisam me interessei, mas... − dei uma pausa para respirar, afinal esta seria uma das decisões que poderia mudar radicalmente o que havia previsto para meu futuro − não sei se terei esta coragem, ir para um lugar sem familiares ou pessoas conhecidas.

− Eu penso em vir também − reforça Miguel. − Estou bem tentado em arriscar.

− Sendo assim, não tenho dúvidas que tentarei também;

Eu não iria para uma terra distante sem ter ao menos um conhecido. Miguel já morou em Fortaleza, tem tios e primos por lá, mas eu não, nunca sequer havia ido ao Ceará.

Após alguns dias, estávamos todos empolgados, o emprego parecia ser sério, ouvimos boas indicações da cidade que iríamos, Miguel havia falado com o Secretário de Saúde e se mostrou bastante animado com a nossa ida. Só tinha um problema... éramos duros, não tínhamos dinheiro para uma mudança, mesmo que pequena e isso costuma custar uma boa soma coisa que não tínhamos mesmo.

O nome da Cidade era Marco, bem pequena e não havia muitas referências a ela naquela época, em alguns mapas rodoviários víamos um pequeno ponto no litoral norte do Ceará, próximo a um paraíso turístico já conhecido mundialmente − Jericoacoara. E algo nos dizia que isso seria muito bom ainda.

Valdo, o secretário de saúde, nos prometeu uma ajuda no transporte. Existe um polo moveleiro na cidade e um dos caminhões estaria fazendo entregas em nossa região voltaria vazio. Seria mais que suficiente para levar as nossas poucas coisas, e melhor... praticamente de graça.

Com tudo a bordo,fomos rumo ao desconhecido. Sempre morei em cidade grande — de pelo menos 1 milhão de habitantes — não sabia como seria minha adaptação numa cidade de 17 mil habitantes, longe da "civilização". Fortaleza ficava a 240 km de distância e a cidade maior mais próxima, Sobral, a uns 120 km. Um frio na barriga, mas afinal o que tinha a perder? Se não desse certo voltaria e recomeçaria, caso contrário seria maravilhoso e com certeza teria muitas histórias para contar. E pode crer que deu.    

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Memórias de um Médico no SertãoWhere stories live. Discover now