Caderno Amarelo - Parte I

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Uma reluzentecor amarela

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Uma reluzentecor amarela...



Encantada com a reluzente cor do amarelo, que estampava por completo a capa de um caderno, ambicionou ter um igual ao de sua coleguinha. Não era inveja o que sentia, mas apenas o desejo de ter um caderno de cor bonita, de cor que lhe alegrasse um pouco mais os dias.

As bonecas de Jéssica eram quase gente, com seus vestidinhos cheios de brilho. Todos os vestidos ficavam bem arrumadinhos num pequeno guarda-roupas de boneca. Hanna queria gostar de bonecas como a amiga Jéssica, mas o que ela desejava ter em suas mãos eram cadernos, mesmo não compreendendo a natureza disso, sabia apenas que gostava daquela compilação de folhas que continha finos traços horizontais que aguardavam as novidades contadas por mãos.

Enquanto Jéssica brincava com as bonecas, Hanna segurava um caderno entre as mãos, dizia que o usaria para fingir que era o livro de histórias que leria para sua filhinha, a boneca que, na verdade, estava largada em um canto da casa, despenteada e com roupa inapropriada para o inverno, a bonequinha estava deitada no chão gelado, tão esquecida quanto outras do mundo fora do imaginário.

Ao contrário da filhinhade Hanna, a de Jéssicavestia um casaco muito quentinho, que a aquecia aindamais nos braçosde sua mãe fantástica, também, tinhaem seus pés de plásticoumas botinhas pretas com camurça por fora e luvas que vestiamas mínimas e perfeitas mãos.

Passado algum tempo da brincadeira, Jéssicaflagrou a amiguinha escrevendo qualquerletra na folhade seu caderno; logo a repreendeu,pois o caderno não servia para brincadeiras, era para fazer as lições daescola, se houvesse rabisco era risco de perder a estrelinha da semana de alunaexemplar, era lei não arrancaras folhas do caderno. Assustada com o flagra, Hanna procurou rapidamente a borracha e, com muita tristeza, apago seu primeiro registro num caderno bonito, ela levou muito tempo para fazer desaparecer uma palavra que ainda não estava em letras rígidas. Eram letras caídas, mas cheias de significados. No caderno de capa amarela, suas letras pareciam sóis que sorriam por terem nascido de uma mente pura, de mãos sem culpa, guiadas pela mente pueril.

Às oito da noite, o relógio badalou o fim da brincadeira, uma tristeza profunda e uma inquietação perturbava o coração de Hanna, ela queria muito ter seu próprio caderno amarelo, ele iria aquecê-la mais do que qualquer outra coisa, seria como ter o sol em suas mãos. Hanna poderia escrever letras como bem quisesse, contaria segredos ao seu sol, coisas que não dizia a qualquer outra pessoa. Ela pensou no anoitecer, período em que esconderia seu sol das trevas noturnas num descanso calado em que muito pode acontecer, ao passar da noite, ela retiraria o sol secreto e o levaria ao longo do dia perto de si, deixando o caminho mais iluminado com a claridade a seus pés.

Era um sábado tão sem nada... Hanna quis pedir o sol de Jéssica emprestado, mas se deu conta de que teria de devolver em curto prazo, isso lhe causaria um vazio maior ainda, mas, de repente, decidiu falar para a amiga o quanto gostava de seu caderno; a colega riu como se tivesse ouvido a pior besteira de seus curtos anos. Hanna não se importou e insistiu para que Jéssica lhe dissesse onde vendia tal caderno banhado pelo sol e quanto custava ter um solzinho. Jéssica não quis dizer, achava que não seria legal as duas terem o mesmo tipo de caderno, já que ela gostava de ter tudo diferente, por isso, insistiu com a amiga para que comprasse um de cor azul, que era vendido na esquina de onde moravam as duas, mas Hanna vociferou: "Não quero azul, tem cor do céu, eu sei, mas não quero o céu, é grande demais, infinito... quero o sol que é menor, que é quente e alegre; às vezes, o céu chora, eu não preciso do céu, preciso do sol!"

Jéssica bateu o pé, disse que não revelaria a loja que vendia o caderno amarelo, que ele era raro e muito caro, tão caro que seus pais trabalharam um ano todo para comprá-los. – Sim, comprá-los, pois Jéssica possuía mais de um caderno de capa amarela, enquanto Hanna só queria um, apenas um sol para si.

Com a informação sobre a obtenção do objeto dos sonhos, Hanna desistiu do caderninho, não tinha dinheiro e já sabia que seus protetores não investiriam tão caro em um caderno. Com muita relutância lhe deram um de capa molenga, como um papelão que fica molenga após tomar uma garoa, era muito feio, não alegrava em nada os seus olhos e não tinha nenhum calorzinho.

Após estar em casa, Hanna pensou no caderno, tanto que teve sonhos amarelos. Em seu sonho, sua cama se transformara numa superfície redonda que cabia dez de si mesma; o travesseiro era de aparência dura, mas dono de uma certa maciez; o colchão, coberto com uma colcha branca, possuía listas azuis bastante visíveis por conta da coberta, que lançava brilhos amarelados pela cama. Hanna acordou com o velho despertador, notou que havia sonhado, mas sentia-se feliz, foi um sonho tão bonito que não quis se melancolizar, fingiu que tudo fora verdade.

Depois de se preparar para a escola, pegou a mochila e seguiu o seu caminho semanal, enquanto retomava as imagens do sonho, um carro parou ao seu lado, era Jéssica e sua mãe, dona Túlia, uma mulher muito simpática.

Túlia convidou Hanna para ir de carro com ela e a filha, a menina aceitou sem hesitar, já era de casa. Muitas vezes, Túlia a confundia com a própria filha, e mesmo depois de perceber o equívoco não se retratava, estava tão acostumada com Hanna em sua casa que a considerava uma filha, como filhos de rua que se adota sem ter que se preocupar com maiores responsabilidades.

Túlia notou que Hanna estava menos alegre que o habitual, tinha um sorriso tão pueril e cativante que, quando escondido, era notável, assim como se nota quando o sol esconde o seu brilho cedendo espaço para a lua. Então, a mulher puxou uma conversa com a menina.

– Tudo bem em casa, Hanna?

– Ah, sim... tudo bem.

– Está com sono ainda, não é?

– Um pouco.

– Parece distante, tem algum problema que eu possa ajudar?

– Não, não se preocupe, é só sono mesmo.

Túlia olhou a menina pelo retrovisor do carro e, mesmo não se conformando, decidiu não insistir no assunto.

Hanna foi deixada em frente à escola que estudava, despediu-se das companheiras agradecendo Túlia pela gentileza.

Depois que o carro seguiu adiante, Jéssica comentou sobre a amiga Hanna com a mãe.

– Mãe, a Hanna é doidinha mesmo, quando vamos brincar ela sempre quer usar um de meus cadernos, diz que vai ler histórias para as crianças dormirem, mas na verdade ela só fica olhando o caderno e diz que queria ter um igual. Eu disse a ela que não, que não quero que ela tenha o mesmo caderno que eu.

– Mas qual é o problema, Jéssica? Saiba que há muitas garotas por aí que tem o mesmo caderno que você, isso não significa nada.

– É, mas eu não conheço essas garotas, a Hanna é minha amiga, eu não acho legal que nossas coisas sejam iguais.

– Bobagem, filha. Vamos fazer uma surpresa para a Hanna. Vou comprar um caderno igual para ela, vamos deixá-la feliz, aposto que ela vai gostar muito, já que ela deseja tanto um caderno desse.

Como dito, Túlia comprou um caderno de capa dura na cor amarela para dar à Hanna, mas, como pouco via a menina, pediu à Jéssica que cumprisse a tarefa de entregar o presente. Jéssica, por sua vez, achou que não era justo, enfiou o caderninho em sua gaveta de materiais e pegou um caderno sem rabisco, que estava abandonado fazia tempo, e deu para Hanna, esta recebeu feliz o caderno.

– Ah, Jéssica, agradeça sua mãe por mim. Esse caderno é igualzinho ao que tenho, mas vou guardá-lo, presente é presente, não é mesmo?

– Vou falar para minha mãe que você gostou, caso ela pergunte, diga que era o que você queria, tenho certeza de que ela ficará contente com a resposta.

– Está bem, direi isso!

***

Continua ... 


CADERNO AMARELO - CONTOWhere stories live. Discover now