Capítulo 2: Infiltrados na congregação

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André vestiu a flanela vermelha de fim-de-semana por cima da camiseta preta de sábado. Seu rosto no espelho era confuso e pálido. Não sabia se estava fazendo a coisa certa. Deixar de trabalhar no Retrocompatibilidade atrasado para comparecer em um encontro de fãs de Sonic não parecia uma boa ideia. Nem um pouco. Só aceitou porque era a única maneira de recuperar os pratos fundos de sua casa, que andavam fazendo muita falta. Ainda havia os rasos, mas não eram tão confiáveis. Nunca seguravam os pedaços de frango com molho que se lançavam às paredes ao menor equívoco de um talher. Atormentavam cada refeição sua, sem folga. Aquele pesadelo já tinha ido longe demais.

— Sushi, vem cá — disse. O amigo largou o celular e veio da sala até a porta do banheiro. André, com suas mãos nervosas, alinhava as golas de sua camisa e ajustava as mangas enroladas. — Que tal? Estou legal?

Sushi mergulhou seus olhos nos de André por um instante e negou. — Não. Ninguém tá legal.

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A Ceia dos Apóstolos do Perpétuo Sonic ocorreria num restaurante de lámen chamado Kazumi. Sendo que a Turma do Video Game não conhecia o nome, imaginaram que devia ser um lugar muito recente. Não ficava longe de sua casa como temiam. A distância era de apenas três quadras. No entanto, a certeza inexplicável de que uma tragédia os aguardava transformava cada passo em uma eternidade. A fachada era pequena. Sumia sem problemas na paisagem urbana, entre uma farmácia e uma loja de brinquedos. Acima da porta aberta, estava o nome Kazumi, estilizado para imitar a caligrafia japonesa.

Por dentro, o lugar era muito maior, espaçoso sem perder o aconchego. Famílias, casais e amigos desfrutavam do entardecer debruçados sobre tigelas de lámen, conversando ao som de um suave acid jazz japonês.

— Achou o cara? — perguntou Sushi.

— Não — respondeu Caio — mas eu meio que gostei desse lugar.

Andaram mais um pouco, até que um garçom os abordou. Falaram que procuravam um grupo de amigos.

— O pessoal do Sonic? — perguntou o garçom. — Estão na parte de trás. Sigam por aquela porta — disse, apontando para o fundo do restaurante.

Quanto mais se aproximavam do tal lugar, mais gelado ficava seu sangue. No instante que Caio tocou a maçaneta, ele soube que não havia mais volta, e seu estômago se revirou de arrependimento.

A pequena sala do outro lado estava lotada. Via-se ao menos quinze pessoas, que conversavam sobre coisas que a Turma do Video Game não compreendia, e todas vestiam camisas estampadas por Sonic. Eles se sentaram à mesa na tentativa de evitar chamar atenção, mas o tiro saiu pela culatra. Rostos se viravam para eles constantemente, por um ou dois segundos, voltando então para cochichar entre si. Sem demora, Caio ouviu seu nome.

Guilherme, o fã do mercado, estava de pé e virado para eles. — Vocês vieram? Que surpresa!

— Quem são eles? — perguntou uma mulher.

— Uns amigos. Ou melhor, conhecidos. Sejam bem vindos, Jogabilideiros. — Chegou perto e apertou suas mãos, mirando-os nos olhos um por um. Os três suavam frio.

— A gente viu esse evento programado no Facebook — disse Caio. — Então notei que você tinha marcado presença, falei isso pros meninos, e contei que te conheci no mercado. Aí o André disse que ainda por cima você é nosso zelador! Que coincidência, né?

Guilherme apertou os olhos, coçando o queixo. — Seu zelador? Bem, eu trabalho como zelador aqui perto, mas... Sim! Lembrei! Poxa, é verdade!

— Seria difícil esquecer disso, não é? — disse André. — Afinal de contas, você... bem... consertou nossas lâmpadas.

A Turma do Video Game em O Mistério do Prato FundoOnde histórias criam vida. Descubra agora