Prólogo

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Aos cadáveres que ainda caminham debaixo do sol.


O risonho calor banhou o mundo a concentrar-se no chapéu de palha. Seu dono caminhava exausto pelas serpenteantes estradas de barro batido. Seus músculos rangiam sem timidez ao carregar nos braços as alças de madeira de sua carroça. Ele sabia que carregava pessoas, sentadas embaixo de sombrinhas a apreciar a paisagem. Vinham pintadas de cores que roubaram da relva, estampados com flores que foram arrancadas de suas raízes na terra quente.

O homem não fitava os turistas, que por vezes lhe indicavam o caminho com vozes distantes, lhe parecia outra língua, com palavras tão doces que seu paladar amargava-se de provar. Por mais leves que fossem soavam como chibatadas, mas a dor não era sentida, era companhia, silenciosa em carne viva.

Um pouco atrás vinha sua cria, moleque encardido de suor, pois as lágrimas eram água que não se podia desperdiçar. Tinha sua própria carroça menor, ali os pequenos e leves brincavam entre si desinteressados do areal, da plantação de cactos sedentos de verde, dos campos de carcaças há muito mortas, ainda cheirando vida, ainda fedendo a tristeza.

Seu filho queixava-se das dores nas costas, do calor, das pedras atiradas pelos pequenos, da existência... Mas era questão de birra, com o tempo, as cicatrizes curar-se-iam, os pés fortaleceriam, com o tempo as costas curvariam, virariam moldes, assentos, as dores tornar-se-iam o despertar do sono, pois ela é sina de todos nós, quando não dói no corpo, dói na alma.

Poucos verões e o filho viraria pai, o novo carrega os grandes, o velho os jovens. Ao fim do dia o que importa é o descanso, ostentar a barriga cheia e a garganta saciada.

Ao fim da vida o homem aprende seu lugar, pois todo mundo tem seu cantinho nesse mundo sujo. Aceitar a súplica diminui o sofrimento.O Sol é para todos... A sede não.

A estátua de sal surgiu no horizonte feito miragem. Era busto,cabeça e corpo que flutuava sobre os anjos. Padre Cícero fitava os mortais com bondade que não podia cobrar dos homens. Mas assim como a religiosidade, o semblante fora esculpido por mãos pecadoras. Nada mais doce que uma mentira que contamos a nós mesmos.

Os turistas deixaram as carroças.

Os condutores arquejaram em misericórdia.

As pessoas vinham agradecer as graças de boa vida.

Os miseráveis apenas por viver.

As mulheres ajeitavam os vestidos para não empoeirá-los no solo.

Os trabalhadores sonhavam em vestir qualquer cor, mesmo que suja, o bege era o único espectro do seu arco-íris.

Depois de algum tempo os passos retornavam, os corpos voltavam a pesar nas costas. O pai acenava ao filho obediência. As crianças dormiam no caminho de volta. O homem ensinava à cria a realidade, negando assim, sua própria consciência de humanidade.

Somos todos animais. Embora alguns tenham nascido para servir os outros.

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O Vale dos SuicidasWhere stories live. Discover now