28. Camuflagem

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Naquele momento eu só conseguia olhar pra ele, tentando me convencer de que não havia um alienígena de duzentos mil anos sentado do outro lado da mesa ou um fantasma de um alienígena falando comigo e me explicando sobre portais interdimensionais.

Eu estava imóvel, olhando impassível como um computador que simplesmente trava permitindo ao usuário fazer absolutamente nada, a não ser torcer para que, seja lá qual for o problema, passe logo.

E o usuário do computador era o Bruno. Que me olhava sério, esperando alguma reação de mim.

Como se reage a uma coisa dessas? Eu poderia contemplar inúmeras reações diferentes. A maioria delas incluía correr escada acima e porta afora.

Mas não era esse o plano. O plano era mergulhar no assunto de toda essa loucura. Olhei para as minhas mãos novamente tentando ver novamente a pele verde. Mas eu não via nada além da minha pele de sempre no mesmo familiar bege sem graça. Se eu pudesse ver novamente, talvez fosse mais fácil aceitar e entender.

- Não precisamos de camuflagem aqui.

Lembrei-me de outra pergunta.

- Você consegue ler minha mente? Sabe o que eu estou pensando?

- Não. Eu sinto o que você sente e tento adivinhar o que você está pensando. Na maioria das vezes eu acerto.

- Só comigo?

- Com todos que eu quiser.

- Por que não precisamos de camuflagem?

- Tire a camuflagem e você descobrirá, Lene.

Como assim, tirar? Eu não coloquei nada de camuflagem.

Olhei para ele esperando respostas. Se eu não precisava falar para que ele me respondesse, por que não aproveitar?

- Sua mente humana projeta o que você espera ver. Tem sido assim desde que você era bebê. A primeira camuflagem foi projetada por sua mãe quando você nasceu.

- Você é um fantasma?

Surpreendi-me com a pergunta fora de contexto. Mas o que tinha contexto nessa conversa toda?

- Não. Fantasmas não existem.

Tentando conter um sorriso, ele respondeu uma pergunta enquanto abria caminho para uma nova pergunta. Percebi que estava sendo assim desde o princípio.

- Minha mãe...?

Ela é real, não é? No meio disso tudo, não poderia ser justamente ela uma ilusão.

- Ela está em outra dimensão. Uma dimensão imaterial porém não totalmente desvinculada da matéria. Ela é real. Mas não aqui.

Isso me trouxe certo alívio. Acreditar na realidade da presença da minha mãe era a única parte da qual eu não abriria mão. Eu precisava dela.

Mal me dei conta quando o garçom colocou nossos pratos sobre a mesa. Ambos estavam cobertos por uma espécie de tampa de metal prateado. Confesso que apesar da fome, estava um pouco ansiosa. Eu não estava mais certa se a decisão de comer o mesmo que o Bruno teria sido uma boa ideia.

Retirando a tampa de sobre os pratos, o garçom retirou-se com um aceno de cabeça para o Bruno e depois para mim. Olhando para o prato não vi nada além de um grande e solitário bife. Ao seu lado havia um pote menor com uma espécie de molho colorido.

Apenas um bife. Que bobagem a minha. O que eu achava que seria?

Meu movimento de pegar os talheres para iniciar o almoço foi interrompido por uma das mãos do Bruno sobre meus talheres, impedindo-me de continuar enquanto a outra mão cobria novamente os pratos.

- Você ainda deve ter uma pergunta.

Como que me dando a dica sobre o que acabara de dizer, ele olhou para minhas mãos sobre a mesa, fazendo-me lembrar da questão ainda sem resposta.

- A camuflagem... eu não sei retirar a camuflagem... Mas não se pode retirar isso em um lugar público!

- Na verdade, não há camuflagem aqui. É apenas sua mente humana projetando o que você espera ver. Espere ver a verdade. Transcenda sua mente humana.

- Mas como? Eu não...

- Eu te ajudo.

Retirando sua mão de sobre os talheres e movendo-a para sobre a minha, olhou-me nos olhos de uma forma que já não me era estranha.

O mesmo olhar de predador me ameaçava ao mesmo tempo em que me fazia sentir segura.

Logo senti sua presença em mim. Era como se eu esperasse que ele dissesse algo que viesse a reverberar em mim. Mas dessa vez ao invés de sua voz muda viajar em ondas através do meu corpo, senti sua presença movendo-se dentro da minha nuca. Era como se sua névoa formasse um redemoinho na base da minha cabeça, relaxando, perturbando e fazendo algo que eu não podia entender.

Não pude conter o desejo de fechar meus olhos e me entregar àquela sensação. Eu confiava nele.

Reclinado minha cabeça ligeiramente para trás pude sentir a névoa vagarosamente se espalhando pelo interior do meu crânio, da nuca em direção às têmporas e à testa, em relaxantes ondas que se moviam em pequenos círculos.

- Abra os olhos devagar e olhe para mim.

Fazendo conforme ele disse, reposicionei minha cabeça enquanto buscava o rosto do Bruno.
Imediatamente seu olhar intenso prendeu o meu e eu não conseguia olhar para nada além de seus olhos.

No mesmo instante, vi mais uma vez, o azul se transformar em amarelo fazendo surgir a forma alongada de sua pupila.

Permiti que meus olhos buscassem o rosto do Bruno, logo identificando a figura da caverna mais uma vez diante de mim, vestindo o terno do Bruno. 

Então a figura verde de olhos amarelos e lábios finos olhou ao redor, num gesto que me indicava para fazer o mesmo.

O que vi foi inesperado e aterrador. Todas as cadeiras do restaurante estavam ocupadas por figuras similares à que dividia a mesa comigo. Conversando entre si e comendo suas refeições. Não contive o impulso de olhar para minhas próprias mãos, encontrando desta vez a cor verde cobrindo minha pele assim como eu havia visto na caverna.

Com um aperto na minha mão, a figura mais uma vez chamou minha atenção para ela.
Desta vez ele conduziu meu olhar para um dos pratos sobre nossa mesa, retirando lentamente a tampa prateada de sobre ele, revelando a verdadeira imagem de nossa refeição: um grande bife de carne crua e um pote dentro do qual inúmeros vermes esbranquiçados se moviam em meio ao que parecia ser um molho de tomates.

NOVA DRASSKUN (Livro #1)Where stories live. Discover now