80. Fêmea Humana

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Eu parecia estar sozinha naquele lugar que em muito se parecia como da última vez em que eu havia estado ali.  A clareira com a grama verde sob meus pés descalços era rodeada por uma grande cerca viva e estava lá também. Entretanto, a grama que antes machucava e arranhava meus pés como se cada uma das folhas o espetasse, dessa vez era confortavelmente macia ao toque, como um grande tapete de veludo que acariciava meus pés enquanto eu caminhava sobre ele.

A luz que preenchia o lugar não possuía uma fonte identificável e tudo estava iluminado como se o sol estivesse prestes a amanhecer. De certa forma, me lembrou do que Czanor me mostrou: o lugar onde vi diversos Répteis se esforçando para passar por um grande portal de luz.

Olhei ao redor buscando aquele ser que eu já estava habituada a encontrar ali.  Olhei na área da clareira, na copa das árvores e mesmo na cerca viva dentro da qual ele desaparecera da vez anterior em que estivemos nesse sonho.

Por que eu estaria aqui, se ele não estava?  Eu vim por que quis, de forma autônoma, ou por que ele me chamou para estar aqui?

Dirigi-me até a cerca, sentindo algo diferente, uma estranha ansiedade em mim. Sentindo que aquele lugar me parecia familiar e acolhedor como nunca sentira antes. 

Estendi minha mão direita sobre a folhagem densa que a compunha a cerca e passei meus dedos suavemente pela estrutura verde.  O tamanho das folhas variava entre pequenas e nem tão pequenas, montando uma espécie de mosaico verde e vivo.

Circundei a cerca, caminhando lentamente ao seu lado enquanto meus dedos suavemente acariciavam as folhas. Ao mesmo tempo em que eu caminhava, eu olhava para frente, não me importando em ver onde meus dedos passariam, contentando-me apenas em olhar a paisagem diante de mim.

Logo eu fechei os olhos, pois não precisava olhar mais, e me dediquei a sentir as folhas passando pelos meus dedos e pela palma da minha mão. Então, senti a textura das folhas mudando lenta e gradativamente quando pareciam se unir, formando superfícies maiores e mais uniformes.

Em poucos movimentos, não havia mais folhas, mas apenas uma superfície lisa que parecia reagir ao toque dos meus dedos, estremecendo suavemente a cada passo que eu dava.
O movimento era quase hipnótico e eu me entregava à sensação obtida pelos meus pés, bem como à transformação da superfície da cerca sob o meu toque e como ela reagia a mim, até que meu pulso foi rapidamente pego em um movimento firme e súbito, interrompendo meus passos e minha entrega.

Virei-me e vi Czanor me olhando como se buscasse algo em meu rosto, enquanto segurava o meu pulso. Ele era a vegetação que eu tocava.

— Você está diferente.

Disso eu já sabia. Mas o que será que ele via em mim que deixava isso evidente?  Seu questionamento foi para mim um lembrete de que eu deveria manter meus sentimentos e pensamentos contidos a fim de não deixar transparecer qual a minha verdadeira missão.  Afinal, ele estava do lado dos Manahti, que me queriam como uma parideira, e não dos humanos os quais eu havia decidido ajudar.

— Para melhor, eu espero...

Disse com o máximo de confiança que encontrei.

— Eu também... Eu te trouxe para te mostrar algo.

Então ele tinha algo para me mostrar.  Eu sabia que esse ser, assim como eu, estava em uma espécie de despertamento também, no intuito de deixar o lugar no qual era mantido, de certa forma, prisioneiro.

— Você me trouxe?  Achei que era eu quem escolhia quando vir até aqui.

— Eu te chamei. Mas você veio porque quis.

NOVA DRASSKUN (Livro #1)Where stories live. Discover now