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(*)capítulo revisado

A noite que parecia não ter fim não parava de causar arrepios na garota agora deitada em sua cama.
Depois que voltaram para casa ela seguiu diretamente para o quarto, não queria mais encará-los, mesmo que isso significasse ficar com fome.
Sua barriga reclamava horrores enquanto ela se encolhia na cama até que desistiu de dormir com a fome.

Abrindo a porta do quarto devagar, para evitar que rangesse, ela caminhou sobre as pontas dos pés até a cozinha. Não tinha ninguém ali àquela hora. Uma bênção. Seguindo até a mesa e a fornalha, ela procurou por sobras do jantar, mas estava tudo limpo, tomou água antes de ir à despensa. Os sacos estavam organizados em prateleiras, na mesma ordem que ela se lembrava. Aquelas missões à cozinha eram frequentes, sempre que ela sentia que as crises poderiam eclodir a qualquer momento.
Indo direto ao final da despensa, onde sabia que iria achar os bolos assados no dia e com sorte alguma torta de carne, já estava mais tranquila. Capturando o cheiro delicioso de frutas frescas dispostas nas cestas ao longo do caminho, estava começando a salivar e a barriga já clamava pela comida. Sua mão estendeu-se para a única torta ali, estava tremendo, tremendo de fraqueza, pela fome, e de frio.

- Achei que a encontraria aqui, mais cedo ou mais tarde.

Ela abaixou a mão com muita rapidez atingindo a ponta do prato da torta que voou, diretamente para ele, Edone, na metade do caminho da despensa, bloqueando a saída. Droga.

Com sua rapidez recém adquirida, as mãos de Ed agarraram o prato no ar, mas parte da torta ainda voou na direção dele, bem no rosto, sujando a face forte e marcada, ele fechou os olhos, a vela que tinha na outra mão falhou e ascendeu novamente.

- Desculpe, desculpe!

Controlar os impulsos foi impossível. Pretendia ficar sem falar com ele, por a trair virando aquilo que ela mais temia, mas já falhou, em menos de horas.
Ele colocou o prato sobre uma prateleira e tentou limpar a torta do rosto, mas ele continuava sujo.

- Não vai ajudar seu irmão?

Nervosa, procurou por algum pano e pegou um dos que cobria os bolos, seguindo diretamente para ele, passando o pano com suavidade sobre a testa, cabelo, maçãs do rosto, queixo e nariz dele.

- Muito bem, vejo que ainda é uma menina educada.

- Cale a boca!

Ele a atrapalhava falando. Sua resposta apenas o fez gargalhar. A risada suave e sonora dele. Ora, afinal ainda era ele ali. Nada tinha mudado. Seu irmão ainda riria de sua piadas sem graça, ainda a daria sermão por roubar comida da cozinha, ainda a protegeria dos outros. Ainda...

Ele agarrou o pano e limpou os olhos, quando abaixou o pano, azul mesclado de dourado devido a vela a fitou.

Não. A quem queria enganar? Nunca poderia encarar aqueles olhos sem tremer, como fazia naquele instante. Dando um passo para trás sem ter mais para onde fugir além dos fundos da despensa.

- Elari...

Foi um sussurro, tristeza na voz, mas... Não era mais ele, era um sugador completo, as presas prontas para atacar, mãos mais fortes que as dela, velocidade que tornava fugir inútil.
Ele deu um passo em sua direção e com isso a vela se apagou, ele tinha sido muito rápido. Quando a escuridão tornou a reinar no cômodo estreito, os olhos dele brilharam, como os de um felino na noite com pouca luz, e não estava mais na despensa, estava no quarto de seus pais, naquela noite de chuva e trovões, encolhida no canto, tentando se proteger daqueles olhos azuis que brilhavam quando relâmpagos se apagavam, daquelas presas levemente longas que avançavam em sua direção.

Os EternosWhere stories live. Discover now