Brasil

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No dia seguinte, pouco depois do período de almoço, eu estava sentado num banco de frente ao prédio da feitoria, a admirar as flores vívidas e coloridas dos ipês que se confundiam com um crepúsculo de uma forma curiosamente agradável.

Passei cerca de meia-hora dessa forma, até que avistei uma figura caminhando desde a esquina, vestida de uma camisa e calças largas e simples, mas oculta em um chapelão que a encobria o rosto em sombras. Ela se aproximou e assentou-se ao meu lado, mirando o meu rosto: era Bartolomeu.

— Boa tarde, capitão! Sempre foi um apreciador do canto dos sabiás, hã? ― o rosto encoberto nas sombras contrastava com a fita escarlate que descia desde o chapéu pela testa.

— A exuberância de cores e vida das terras tropicais parece não ter fim ao encanto, ao menos a meus olhos — disse sorrindo, sem tornar a visão das folhas balançantes — mas acredito que sejam assuntos mais urgentes que o senhor vem tratar aqui.

— Bem, temos um combinado, não?

— É claro que temos, não sou um homem de voltar atrás em minha palavra. E devo lhe dizer que foi um truque sagaz de sua parte vir vestido com as roupas simples de quem não tem nada a esconder, ao invés dos trajes formais que uma reunião impõe e que levantaria suspeitas — apontei com um tom de voz reduzido.

— Ah — ele abaixou o olhar para conferir suas vestes, com uma expressão constrangida — claro, isso.

Diante daquela expressão, normalmente eu caçoaria do menino, mas estávamos ocupados, então o convidei para dentro.

O Eduardo Almeida estava sentado à mesa no canto do átrio, passando informações a uma grossa resma de papel com sua pena vermelho-alaranjada e cursiva elegante.

— Boa tarde, Baltasar! — ele me saudou — pensei que não apareceria hoje.

— Boa tarde, oficial. É verdade que em dias normais eu estaria ao mar, mas o meu caro Bartolomeu aqui precisa conferir alguns documentos que guardo lá em cima, no escritório — menti.

— Entendo — ele assentiu com um olhar desconfiado, mas rapidamente chacoalhou a cabeça — é sempre bom revê-lo, Bartolomeu. Prossigam, pois! Parecem ocupados.

— Bom trabalho, Sr. Almeida.

— Ah! E não se esqueça de conferir o documento que o entreguei, aquele sobre a concessão da exploração do pau-brasil.

— Está na minha agenda, não se preocupe — prometi, selando a conversa e prosseguindo para dentro do edifício com o rapaz.

Como precisávamos manter certo grau de sigilo — e este tipo de reunião não é de tudo incomum para alguém com o meu cargo — guiei-o até meu escritório no segundo andar (cuja porta tratei de trancar), onde eu mantenho uma pequena mesa e três assentos preparados para ocasiões do gênero.

O lugar era bem iluminado e de paredes claras, portanto cerrei as cortinas por precaução: o restante era favorável aos nossos propósitos: a janela estava voltada para o lado oposto à rua, onde não havia passantes para ouvir nossa conversa, e a mesa estava confortavelmente distante da porta, em uma quina do quarto de paredes grossas.

Bartolomeu tomou o assento onde a cadeira tocava a parede, e eu recostei-me oposto a ele, no espaço mais próximo à porta. Saquei uma pequena chave de dentro de minhas botas de cano alto e usei-a para abrir uma gaveta discreta sob a mesa, de onde retirei o livro e o descansei sobre ela.

― Vejamos o que temos em mãos, então ― eu disse ao abrir as páginas entre nós.

Nós passamos as páginas e as analisamos uma por uma, na ordem em que foram escritas. A cursiva era redonda e refinada, o que aliviava nosso esforço.

Ira de TupãWhere stories live. Discover now