Simas quase não falava. Releu o discurso inúmeras vezes, os desviar conseguiu não hora a chegada mas pensamentos do pesadelo da noite anterior, nem deixar de imaginar o rosto do seu demônio em cada um dos fãs que se aglomeravam em torno de si. As palavras fugiram-lhe dos lábios, junto com os milhares de sorrisos falsos que treinou em frente ao espelho.
Os parentes do interior haviam chegado. Os primos estavam se divertindo: Ângela era uma tagarela incontrolável e se enturmava fácil, assim como seu marido que, apesar de calado, era um homem simpático. A prima costumava falar o suficiente pelos dois.
Tia Cecília não pareceu muito satisfeita com o trabalho de Simas. Não criticou naquele momento, mas não fizera questão de permanecer no evento por muito tempo. Ficaria hospedada em sua casa. Ela tentou recusar, mas Simas insistiu. Estava quase arrependido. Sabia que, quando chegasse, ela já estaria lá esperando por ele, e aí viriam as críticas.
E sabia que machucaria. Não se preocupava com as críticas externas, aquelas que vinham das bocas dos especialistas. Para estas ele não ligava. Mas ouvir críticas das pessoas que amava era bem diferente. Elas doíam, feriam. Talvez fosse por isso que ele escondera seu trabalho da família durante tanto tempo. Só se revelou escritor agora, depois do livro publicado.
Seu desconforto aumentou. Ele só queria que tudo acabasse logo. Sentia um calafrio percorrer sua espinha cada vez que empunhava a Montblanc de prata o autor com seu nome gravado, presente de Margaret, para dar um autógrafo. Era como se estivesse prestes a amaldiçoar cada um daqueles leitores, cada um que ele colocaria em frente ao demônio como uma oferenda.
Por sorte, sua tia e seus primos não eram leitores ávidos, sequer levaram uma cópia do livro com eles, muito menos pediram autógrafo. Numa tentativa de apressar as coisas, em cada dedicatória ele escrevia apenas umas poucas palavras. Um abraço, e assinava.
Certa vez, Simas leu em um antigo manuscrito que o autor deixava uma parte da sua alma fundida com seus escritos e que quem os lesse conheceria a alma de seu autor.
Agora ele se perguntava se seus personagens também tinham uma alma, se ele os criara à sua própria imagem e semelhança, como um deus faria. Se assim fosse, e havia algo dentro dele que lhe dizia que era, ele estaria amaldiçoando todas aquelas pessoas? Em uma pequena pausa, Simas esfregou os olhos com a ponta dos dedos, espantando os maus presságios.
A seriedade de Simas não foi atribuída à antipatia. O público o considerou tímido, ou apenas nervoso demais com a estreia. Muitas personalidades prestigiaram o evento, e algumas até fizeram questão de dizer algumas palavras, rasgando-se em elogios, mais para agradar ao editor, que também era um rico e conhecido escritor, do que para vangloriar o próprio Simas.
Passados alguns momentos após o coquetel, o aglomerado de pessoas começou a dissipar-se. Simas não conhecia quase ninguém. Além de Margaret e dos três outros parentes, reconheceu alguns rostos famosos, meia dúzia de alunos da faculdade onde lecionava e um ou dois amigos mais íntimos. Simas não incluía o editor nesta leva. Nunca gostou daquele homem egocêntrico que sempre se achava o "bonzão". Se ele tivesse dinheiro o bastante, teria editado seu livro por conta própria, abstendo-se de conviver com tal criatura.
— E então Simas — o editor aproximou-se, acompanhado por Margaret totalmente extasiada com o sucesso rompante da estreia —, como se sente sendo o novo queridinho da literatura? Espere só para ver as críticas... amanhã os jornais se rasgarão em elogios. Estou muito orgulhoso de você.
— Não exagere, Lorenzo. Você sabe que noventa por cento do crédito é seu.
— Você está se menosprezando, meu caro. Seu enredo é completamente genial! Eu não poderia ter tido uma ideia tão boa. E a forma como você conduziu o seu demônio? Simplesmente espetacular!

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O Autor
TerrorSimas Sigmund está prestes a lançar o seu primeiro livro: O Meu Demônio. Incentivado por sua esposa, Margaret, ele acabou se convencendo a retomar o antigo sonho de juventude. Mas ser autor de um livro repleto de invocações demoníacas lhe causa um d...