Capítulo 1

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O mundo é feito de possibilidades. Existe sempre o um e outro, o isto ou aquilo. Existe a possibilidade de ficar em casa e a de sair e talvez tomar chuva. Existe a possibilidade de estudar e ir bem na prova, tal como também existe a possibilidade de mesmo estudando, se dar mal. Até o amor é feito de possibilidades. Nós podemos nos fechar, ficar alheios de tudo e todos, como podemos aderir à possibilidade de nos apaixonar. E nos destruir por causa disso.
Hoje é uma quinta-feira, e depois da escola, na maioria das tardes eu costumo ficar jogada no sofá e zapeando em canais aleatórios, quando não fico olhando durante meia hora o catálogo de filmes disponíveis. Mas, especialmente hoje, o sofá estava quente e grudento, a televisão pouco convidativa, a geladeira vazia, e o calor sufocante, então calcei novamente meus tênis surrados, amarrei meu cabelo e resolvi dar uma volta no quarteirão.
E foi hoje que dei de cara com a possibilidade do meu namorado estar se agarrando com a minha melhor amiga, escorados no portão dos fundos da escola. 

Existe agora um turbilhão estranho de passarinhos na minha cabeça, e um milhão de abelhas zunindo no meu coração. Algumas borboletas esquisitas estão fazendo cócegas no meu estômago, e parece que tem uma girafa querendo se esticar da ponta dos meus pés até o meu último fio de cabelo. Um elefante fez questão de deixar sobre mim todo seu peso, e pica-paus estão bicando meus joelhos, fazendo-os tremerem em um ritmo doloroso. Eu não sei ao certo como descrever sentimentos, mas os meus parecem um zoológico na beira de sua infeliz decadência. Vários animais estão batendo nas suas jaulas enferrujadas, e parece que as barras de metal vão desabar com um simples toque. Não é um mundo bonito de romance igual muitos declamam por aí, porque depois que uma pequena felicidade se foi, parece que só restou um raiva, angústia e uma pitada de tristeza. Eu sou um prato sem gosto do Master Chef, que rendeu uma eliminação e caretas bem feias dos jurados.

Eu estou em um café, que fica na esquina da rua da minha escola, encarando a minha xícara vazia e brincando com o restinho de açúcar no fundo. Balançando as pernas de um lado para o outro, e enrolando nervosamente com os dedos uma mecha de cabelo. Vai demorar um tempo para poder contar como é que eu fui me meter nessa encrenca, e é engraçado como eu gosto dessa frase grande e um pouco confusa. Mas a verdade é que eu confiei de um modo que eu não devia em alguém que nem merece ser nomeado. E não vai ser agora que eu vou compará-lo com o mestre das trevas Voldemort, porque o Guilherme não era um mega vilão que aterrorizou todo um povo durante 7 livros, mas não passava de um menino no auge dos seus 17 anos que pegava o carro emprestado do pai para fazer o trajeto casa-escola-academia, e colocava músicas ruins no último volume, usando um óculos escuro terrível até de noite. E regatas com frases de efeito do Léo Stronda. Meu Deus, como é que eu fui me prestar a esse papel?


De vez em quando nós fazemos coisas dignas de serem colocadas no muro da vergonha, só para fazermos parte de algo, ou, no meu caso, para sentirmos algo.
Então tentei preencher meu vazio interno com um rato de academia, amassos no banco de trás de um carro velho com escapamento furado e músicas com uma batida só.
E agora, um belo par de chifres.
É bom ressaltar como uma nota muito importante que eu costumo dar broncas em voz alta em mim mesma, e pode ser que todos os outros clientes da lanchonete também tenham notado isso.
Enquanto eu estava praguejando comigo mesma, com algumas lágrimas desavisadas ainda caindo e de vez em quando pingando na minha xícara vazia, percebo alguém vindo na minha direção, e só depois de enxugar meus olhos com a manga da minha blusa e tentar me recompor, percebo que é um menino da minha sala.
Me lembro que ele se chama Fábio, e sempre fica nas carteiras do fundo da sala. Vestindo uma camisa xadrez um pouco larga, ele se senta ao meu lado, e abre um caderno que parece ser um dos nossos de anotação da escola, o que me deixou um pouco confusa, e também fiquei também um pouco assustada, porque ninguém costuma sentar na mesa dos outros sem algum assunto prévio. A raiva também apareceu um pouco, porque ele acabara de interromper meu sermão interno.

- Oi. Luiza, né? - Ele deu um sorriso de canto de boca, meio tímido.
- Olha, eu sei que você tá tentando parecer ser gentil, mas vai demorar um pouco mais de duas horas pra poder te contar como vim parar aqui. - Respondo, sem levantar minha cabeça, mas logo me arrependo da minha grosseria. Ele tem o olhar calmo, sorridente, quase convidativo, mas também um pouco hesitante. A sua pele escura contrasta com a camisa vermelha, e ele percebe que estou encarando-o, porque logo ele começa a mexer no cabelo grande e com cachos largos nervosamente, enquanto rabisca uma frase em seu caderno.

Eu levanto meu olhar para tentar enxergar o que foi escrito, mas ele esconde a página com as mãos e fecha o caderno rapidamente.
Tomo coragem para esticar a minha cabeça e fico encarando-o, esperando ele dizer alguma coisa, mas está muito nervoso para puxar algum assunto, e eu, muito triste para isso.
- Ah, desculpa, eu vim aqui recolher a sua xícara... Bem, a gente se vê. - Ele se levanta rápido, levando o objeto que me servia de distração. É, o lance da xícara até que foi uma boa desculpa. Porém, o menino tinha acabado de levar embora o objeto que me servia de distração, e eu não tinha mais motivos para ficar sentada naquela mesa redonda metálica, porque sem o círculo de pires branco, ela ficava ainda menos convidativa.

Me levanto, deixo uns trocados de gorjeta para o garçom (e não, não é Fábio - apesar de ser amigo do garçom, ele não trabalha aqui) e volto para casa, pensando no quão parecida com aquele objeto de porcelana eu sou.

Eu sou Luiza, uma xícara vazia. 

NebulosaWhere stories live. Discover now