Capítulo 3

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Segundo histórias clássicas de terror, vampiros não possuem reflexo, mas eu estou pronta para rebater esse fato.
Eu estou no banheiro da minha casa, encarando inutilmente o espelho. O meu cabelo já não está tão brilhante quanto antes, aliás, está com uma aparência relaxada e opaca, já que eu fiquei esfregando meu couro cabeludo de nervoso durante todo o meu trajeto até em casa.
Meus olhos possuem uma aparência fantasmagórica, e a pele mais pálida que o normal parece a de um vampiro amigo do Drácula. Só faltaram os grandes caninos para completar a transição.
Eu estou acabada. Luiza, você foi, está e será detonada por um longo tempo. A única coisa que paira sobre a minha mente são pensamentos sobre a minha inutilidade e capacidade de fazer o mundo virar de cabeça para baixo. Talvez eu seja a alice pós-moderna, mas é improvável que uma lebre me chame para tomar chá.

Feliz desaniversário, Luiza.

Eu tiro a camiseta azul clara do uniforme da escola, e encaro de novo o meu reflexo, usando somente meu sutiã azul de bojo. Aquele, que agora, possui 100 curtidas no Facebook.
Luiza, seu sarcasmo me emociona.
Mas se engana quem acha que por ver meia dúzia de fotos minhas nessa mesma posição, conhece toda a minha intimidade.
Eu sou a única pessoa que conhece todos os milímetros dessa pele, e sabe a posição de todas as pintinhas do meu corpo.

São 5, por sinal.

Passo a mão em cada uma delas, e paro em uma cicatriz que ganhei aos 7 anos, caindo de bicicleta. Na hora, eu pressionei minha barriga e parecia que o mundo ia desabar de tanta dor, mas parece que eu só estava sendo preparada para desabamentos piores.
Esfrego o pneu de gordura da minha barriga, e lavo o meu rosto, tentando disfarçar o meu olho inchado.

Tiro o sutiã e fico por alguns minutos observando minha imagem.
O meu crime não foi ter minha própria intimidade: o grande erro foi não guardar pra mim.
Como se todos fossem recatados para apontar todos os cinco dedos de cada mão para mim. certos falsos moralismos me impressionam.
Coloco uma blusa de pijama, deixo o espelho para lá e deito no sofá da sala. Tento esquecer de tudo, mas meu instinto de curiosidade e autodestruição falam mais alto, então eu finalmente, ligo meu aparelho celular.

Pobre Luiza.

Tudo agora se materializou, e parece pior do que eu pensava. Todos os meus aplicativos travaram com inúmeras notificações, e por um segundo, penso em deletar minhas contas em todas as redes sociais.
Mensagens novas não param de chegar. O grupo da minha sala é o pior, mas parece que vários garotos de lá me chamaram para conversar, e ignoro completamente todos. Encaro a janela e os passarinhos cantando, e já são 15 da tarde. Ligo a televisão e deixo qualquer programa passando, e quando o tempo também passa, são 16:30 da tarde. Eu sempre fui obcecada por números e tempo, e parece que nos momentos mais lastimáveis, as horas passam de uma forma estranha. Parece de uma certa forma que estou parada no espaço-tempo, e só uma nave extraterrestre vai conseguir me tirar daqui, mas, na mesma hora, tudo parece passar rápido demais.

Junto coragem para me erguer do sofá, vou até a cozinha comer bolacha, e os minutos continuam escorrendo das minhas mãos.
Abri um livro e li poemas do Vinícius de Moraes às 17:40. Estranho a precisão dele com o amor, e o jeito doloroso que ele descreve o romance.
Vinícius, seu número de esposas quase ultrapassa o número de pares de meia que eu possuo.
Volto para o sofá, e assisto a reprise da novela que minha avó gosta tanto, e que já deve ter passado mais vezes que o Vinícius de Moraes assinou certos documentos no cartório.
Minha mãe chega exatamente às 19:15, me pergunta sobre o meu dia, e disse que estava muito enjoada para assistir todas as aulas, então ela me dá um remédio, que me faz mais sonolenta do que antes. É estranho o efeito contrário que esses remédios nos dão. Cure sua dor de estômago, mas fique com um leve formigamento no pé. Acabe com suas dormências musculares, mas adquira uma leve taquicardia. Diminua sua taquicardia, mas fique com pensamentos depressivos pelo resto da semana. Acabe com seu enjôo, mas durma pelo resto do dia.

Eu já deveria saber que minha vida possuía tantos efeitos colaterais.
Malditas letras miúdas.

Eu sou Luiza, uma bula de remédio.

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⏰ Last updated: Dec 03, 2017 ⏰

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