Capítulo 2

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Ando por mais dois quarteirões até chegar em casa. Moro em uma cidade pequena, com árvores nas ruas e crianças tomando sorvete na calçada. Parece que o tempo parou nesta cidade do interior.
Deixo a chave no sofá, meus sapatos no tapete e meus pensamentos no capacho de entrada.
Desbloqueio a tela do meu celular, e ao ver minha foto com Guilherme me veio uma súbita vontade de vomitar. É uma grande gargalhada: existem coisas que a gente não perde, mas se livra. E também uma grande, enorme e sufocante sensação de vazio. É assim que funcionam as fases de um término, as de aceitação pessoal ou essa é só a fase "estou-de-saco-cheio"?

Troquei rapidamente o papel de parede por um gatinho fofo, e já me senti um pouco melhor.
Enquanto lavo meu rosto e me encaro no espelho, o celular vibra na pia e o equilibro rapidamente na minha mão para não escorregar.

"Nova mensagem de Guilherme"

Hesito por um segundo, mas leio a mensagem.

"Oi gata, o que vai fazer hoje?"

Eu não consigo acreditar na cara de pau, deveria é dizer que vou passar um óleo de peroba no rosto dele. Mas me contive, e respondi:

"Vou agarrar minha melhor amiga no quarteirão da minha casa. Claro, se ninguém já não estiver fazendo isso com ela"

Envio a mensagem e bloqueio o contato. Bufo, e solto todo o meu peso na cama.

Não sei como eu fui me envolver, mas por que não me envolveria? Ele é popular, tinha interesse e você estava entediada.

Luiza, você é estúpida.

Por mais que pareça um pensamento idiota, parece que nunca vou encontrar a felicidade na vida: estudar, entrar na faculdade, namorar, arranjar emprego, casar, ter filhos. Todos os 6 itens nesta ordem: fórmula que minha mãe seguiu religiosamente, meus tios, menos minha avó, que na época dela, a fórmula só tinha 3 itens, adivinhe quais. Dica: fazer faculdade não fazia parte dela.
E mais que eu penso na fórmula, mais eu me desespero. Me sinto sem atenção para estudar o necessário, insuficiente para passar em uma faculdade, pouco atraente para namorar, sem qualidades para um emprego e sem habilidade para ser mãe.

E eu fico entediada e arranjo um traste.

Me sinto culpada, e acabo com o relacionamento.

Perco tempo pensando em tudo e não estudo.

Me sinto culpada em perder tempo não estudando.

E me lembro que estou sozinha.

Cada vez mais distante da fórmula, o que é inconcebível para mim, já que meu forte é matemática.

Luiza, você não presta.

Nesse meio tempo, já atualizei as redes sociais 5 vezes, abri minhas conversas 8 vezes e recebi 259 mensagens de 4 grupos diferentes, e desligo o aparelho, porque são coisas demais.

Esfrego meus olhos cansados e me esforço para fechá-los por um segundo, tentando superar a confusão e o aperto que sinto no meu peito.

Encarar o teto escuro do meu quarto é apavorante. Eu tenho pavor do escuro, mas não por medo de aparecer um monstro do meu armário - é, que, no escuro, é inevitável ficar sozinha comigo mesma.

Parece que todos temos coisas mal resolvidas com a escuridão.

⭐🌟🌟🌟🌟🌟⭐

São 6:30 da manhã e o som estridente do despertador arde nos meus ouvidos.

Espero a vontade de levantar em uma sexta-feira de manhã, mas como ela não vem, vou até o banheiro me arrumar para a aula.

Paro na frente da pia e respiro fundo 3 vezes. Escovo meus dentes e dou mais 5 suspiradas, 4 chacoalhadas de ombro e 6 piscadas profundas. Eu realmente não estou preparada para ver as mesmas pessoas, ter as mesmas aulas e principalmente, todos repararem que eu estou na pior.

NebulosaWhere stories live. Discover now