Dia 1
Estamos em 1985, cidade do Rio de Janeiro
_ Bom dia, Doutor Eduardo! - Martha, educadamente, cumprimenta o vizinho do andar de cima, ao entrar no elevador. - O dia está quente, hoje, não é mesmo?
Aquele dia não estava quente. Mas, na falta de um outro assunto com o qual pudesse iniciar uma conversa, soltara essa pergunta.
Seu Eduardo arrumou os óculos com a ponta do dedo indicador, levando-os de volta até o topo do nariz. Colocou a maleta no chão e virou-se para o espelho, começando a arrumar a arrumação da sua gravata.
_ Bom dia, Martha! - Respondeu ao cumprimento - Sim, está quente!
A jovem senhora aproveitou que o vizinho havia lhe dado as costas e o avaliou dos pés a cabeça, aproveitando que estavam apenas os dois naquele elevador. Sempre bem vestido em seus ternos caros de grife, Eduardo costumava descer para o trabalho no mesmo horário em que Martha e, vez por outra, acabavam percorrendo, juntos, o percurso até o estacionamento do prédio. Martha percebeu que o corte de cabelo e a forma de penteá-lo estavam diferentes, um pouco menos formal do que o que ele costumava usar.
_ Gostei do que o senhor fez com o cabelo. - Comentou Martha, com um risinho discreto na ponta dos lábios. - Ficou mais jovem!
Eduardo levou a mão a nuca e moveu-a na direção do topo da cabeça, repetindo o gesto algumas vezes, como que sentindo o comprimento e maciez do cabelo. Em seguida, fez a sua expressão de "agora é tarde", franzindo as sobrancelhas sobre a base do nariz e mexendo a boca para um dos cantos do rosto, e comentou:
_ Na verdade, esqueci de cortá-lo, essa semana e, agora que você falou, vi que esqueci de colocar o gel também.
O elevador parou no andar do estacionamento. Eduardo abaixou-se para pegar a maleta, virou-se para a vizinha e esticou o braço para segurar a porta do elevador.
_ Chegamos! - Disse apontando a direção da saída para Martha.
_ Doutor Eduardo, eu poderia lhe fazer uma pergunta? - Indagou Martha, com os olhos fixos nas pontas dos dedos da mão esquerda, como que conferindo a consistência do esmalte que estava em suas unhas e antes de deixar o interior do elevador.
_ Estou meio atrasado, Martha... - Respondeu Eduardo, fazendo a sua expressão de "acho que não vai dar", quando franzia a testa, mordia o lábio inferior com as pontas dos dentes e desviava o seu olhar para o relógio que carregava no pulso. - É alguma coisa que pode esperar?
_ Sim, sim - respondeu Martha em tom nervoso e desconcertado. - Eu posso perguntar em outra oportunidade.
Ela sorriu e acenou a cabeça em sinal de agradecimento, saiu do elevador e percorreu o estacionamento na direção do seu carro, célere, em seu passinho apertado. Eduardo a observava, a medida que ela se afastava, pensando em como como Martha, que deveria ter não mais do que um metro e meio de altura, conseguia equilibrar-se tão bem sobre um salto tão alto e ainda manter-se firme enquanto desfilava na direção do seu carro.
Eduardo entrou no seu carro, ajeitou o cinto de segurança para que ele não amassasse muito a sua camisa, colocou o paletó em um cabide preso atrás do banco do passageiro, arrumou a sua maleta no banco de trás e partiu para o fórum, aquele seria um dia intenso, onde representaria o escritório de advocacia em que trabalhava em uma causa muito importante.
Dia 2
_ Bom dia, Doutor Eduardo! - Cumprimentou Martha ao perceber que o vizinho encontra-se, mais uma vez, diante do elevador parado em seu andar.
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E quem nunca... Uma série fora de série
HumorE quem nunca... Uma série de pequenas histórias, cômicas e independentes, sobre o cotidiano e a rotina de famílias que vivem nos centros urbanos. Uma dose de humor diário para ajudar a deixar a nossa vida mais leve.