Parte IV

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Durante mais de dois meses as Missões viveram sem conflitos e sem novos ataques. Ainda se preparavam e treinavam constantemente, mas muitos acreditavam que os inimigos teriam desistido e enfim deixariam que ficassem com a terra que a eles pertenciam.

Porém, após passado esse tempo, fora relatado mais uma vez a movimentação no forte Jesus-Maria-José. Os portugueses estavam se reunindo e preparando mais um ataque contra as Missões. Sem perder tempo e visando surpreender o inimigo, Sepé organizou um grupo de guerreiros e partiu com eles até o forte, enquanto Nhenguiru reuniria os 10 mil homens disponíveis em todas as reduções.

Visando enfraquecer o inimigo, Sepé ordenou a queima das lavouras que alimentariam os portugueses no forte e também deixou seu gado soltou pela região. Quando os homens brancos saíam para capturá-los, Sepé e seus guerreiros atacavam, matando quantos pudessem.

Por fim, sem ter mais mantimentos e sem conseguir chegar ao forte e trazer novos mortos-vivos, a Coroa Portuguesa cedeu e assinou um acordo de paz com os guaranis. Foi mais de um ano de relativa paz nas missões. Mas nenhum deles acreditava que aquela tranquilidade seria duradoura. Sabiam que mais cedo ou mais tarde o ataque viria. Entretanto, tentavam ter esperanças e acreditar que o tempo mudaria tudo e faria Portugal desistir daquelas terras.

Não foi bem o que aconteceu.

Receberam a notícia de que mais uma vez o exército de mortos-vivos avançava em direção às regiões missioneiras. Assim que soube Sepé partiu com 200 lanceiros para destruí-los e impedi-los de prosseguir. Dessa vez sabiam o que enfrentariam e estavam preparados.

Foram mais de quarenta dias de batalhas intensas contra os mortos-vivos. Os guerreiros liderados por Sepé lutaram bravamente e com todas as suas forças, priorizando acertar os cadáveres na cabeça e queimando todos os corpos ao final da luta. Durante todo esse tempo tiveram poucas baixas e apesar do cansaço os guaranis estavam em vantagem, destruindo todos os zumbis que apareciam.

Porém, pareciam ter fim. Quanto mais eram mortos, mais surgiam. Se matavam cem zumbis em um dia, no seguinte surgiriam outros cento e cinquenta e no outro mais duzentos e no próximo trezentos. O contingente guaranítico aumentava conforme Nhenguiru convoca os índios e eles se juntavam ao exército, mas não na proporção em que os mortos-vivos cresciam.

No dia 07 de fevereiro de 1756 aconteceu a pior luta que o exército de Sepé enfrentou. A batalha que marcaria a história e ficaria reconhecida pela bravura de quem nela lutou. Mais de duzentos homens seguiram com o líder guarani para uma emboscada. Andavam em silêncio e sem ver vestígios do inimigo quando se depararam com eles por todos os lados. Estavam cercadas pelo quádruplo de mortos-vivos. Mas não se deixaram abater.

Mesmo com os zumbis vindo em sua direção, atacando seus cavalos, derrubando os índios ao chão e devorando alguns de seus companheiros... Os guaranis se mantiveram focados e lutaram com as lanças, arcos e flechas, acertando o maior número de cadáveres que podiam. Mas, com tantos deles ao seu redor, não era possível que fossem tão precisos nos golpes. Boa parte dos zumbis caía ao chão por alguns momentos, voltavam a levantar e a ir na direção dos índios, mesmo faltando pedaços importantes de seus corpos.

Os guerreiros nunca haviam visto algo tão pavoroso quanto aquilo. Muitos dos cadáveres pareciam estar em alto estado de decomposição, já sem pele em diversos membros, faltando braços, aparecendo as vértebras da coluna e com um terrível fedor de putrefação. Mas esse estado só motivava os guaranis a lutarem ainda mais e vencerem aqueles inimigos.

Mas, ainda assim, nem todos aqueles mortos-vivos famintos por carne humana puderam ser derrotados pelos índios. Um a um eles foram caindo e perecendo. Usaram todas as suas forças, lutaram com honra, devoção e amor à sua terra. Mas nem isso fora capaz de preservá-los vivos. Nada era capaz de superar a maldade e ganância humana.

Um dos últimos a resistir foi Sepé. Orando a Deus em busca de ajuda e vendo cada um de seus guerreiros morrer e se levantar contra ele como um zumbi, o líder indígena superou qualquer outro e lutou contra centenas de mortos-vivos até cair. Ainda acreditava na vitória e fazia o que podia para que ela se concretizasse.

No entanto, apesar de suas diversas habilidades, Sepé Tiaraju era um humano como todos os outros. Não possuía força sobrenatural, nem nada que pudesse lhe salvar no último momento. A única opção que restou para si então foi morrer devorado pelos inimigos. Pelos seus próprios irmãos.

Assim que um o atingiu na perna, Sepé despencou ao chão e os outros não demoraram a pular por cima dele e saciar a fome. O índio sentiu cada parte de seu corpo ser arrancada com vontade, seu sangue verter pelo solo abaixo de onde estava e a vida esvair de dentro de si assim como todas as suas crenças.

* *

Três dias depois, o exército de mortos-vivos encontraria com Nicolau Nhenguiru e mais de mil e setecentos guerreiros. Sem o comando de Sepé, o outro corregedor se viu perdido, desesperado e permitiu-se ser cercado pelos inimigos, levando o mesmo fim que a vanguarda guaranítica. Foi um massacre, onde os índios não tiveram chance de defesa. Milhares deles morreram naquele dia no que ficou conhecida como a Batalha de Caiboaté. E milhares de outros indígenas morreriam nos dias seguintes com a chegada dos mortos-vivos nas reduções e no que restara da população.

Assim que os Sete Povos das Missões foram aniquilados completamente e o território e suas riquezas pertenciam enfim à Portugal, a Coroa mandou um novo exército – dessa vez de pessoas vivas – que com suas armas de fogo poderosas mataram todos os mortos-vivos, sem deixar vestígios. Para o restante da Colônia e para todo o mundo, o que acontecera com os Sete Povos fora apenas um ataque com um exército normal. E era isso que seria espalhado para todos e compartilhado na história.

Mas a verdade nunca se perde, e nós sabemos o que realmente aconteceu. Por mais que tentem subverter os fatos, sabemos a realidade. Foi um massacre desumano e inacreditável, que se assemelha à ficção, mas que foi real e ocorreu aqui. Aqui com nosso povo, aqui nessas terras que são nossas e tem dono! 


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 (Total de Palavras: 1043 - segundo o Word)  

(Total de Palavras em todo o conto: 6931 - segundo o Word)

Não me abandonem ainda. Sigam para o próximo capítulo. É uma pequena nota sobre o conto e outras coisitas. 

Essa terra tem dono, zumbis!Where stories live. Discover now