Feito de Pedra

Seis meses de mudança.

"Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando vos darão; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo."
(Lucas 6.38)

Rafael literalmente largou tudo que tinha para mudar. Quando o rapaz se batizou nas águas ele não queria saber mais de nada, ele seria um novo Rafael, com princípios bem diferentes dos antigos.

Ele não voltou mais a Vila, mesmo que alguns rapazes tenham ido procura-lo para dizer que Russo havia sido morto três dias depois e que o posto estava livre para ele assumir, mas Rafael não queria voltar, mesmo com tanta coisa que ele tinha como carro, respeito, casa, dinheiro e poder, nada daquilo poderia comprar a paz que ele tinha conquistado ao começar a frequentar a igreja.

Ele havia conseguido um trabalho, ganhava uma quantidade bem menor comparada ao que ele ganhava no tráfico, mas era um trabalho digno onde ele não tinha que dormir com uma arma embaixo do travesseiro esperando qualquer ataque a noite. Ele conseguia ganhar o bastante para pagar sua faculdade e suas despesas, claro que ele teve que cortar um monte de coisa, mas ele se sentia melhor.

Rafael também havia mudado de unidade na faculdade, mesmo depois de ter pedido desculpas por seu comportamento, não conseguia olhar nos olhos de Kelly de jeito nenhum, mesmo que tentasse, ele falhava.

O velório de Eduardo havia sido simples, sem muitas delongas. Júlio havia explicado para o rapaz que Eduardo tinha se afastado da igreja sem mais nem menos, mesmo com várias insistências de todos para que ele voltasse, o jovem não quis, dizia que queria conhecer o mundo e estava cansado de fazer as coisas sempre certinhas.

Ele queria conhecer seus próprios limites.

-Mas Teresa disse que Eduardo teve a chance de pedir perdão antes de morrer. -Júlio disse enquanto caminhavam de volta para casa.

-Isso é ótimo! -O coração de Rafael pareceu ficar mais leve, Eduardo era uma boa pessoa, só havia se deixado levar pelas coisas do mundo. -Mas você não parece estar tão feliz com isso. -O rapaz comentou ao olhar o rosto de Júlio.

-É claro que eu estou, só que... -Júlio respirou fundo como se tomasse coragem. -Eu vou mudar de igreja.

-Como assim? Mas por quê?

-Eu terminei com a Teresa, Rafael.

-Mas eu achei que você gostasse dela.

-E eu gosto até de mais! -Ele falou desnorteado.

-Eu não entendo...

-Eu também não, mas lá na frente eu sei que eu vou entender. Esse amor só irá fazer mal a nós dois.

-Mas então você não precisa mudar de cidade!

-Eu preciso sim, Rafael. -Ele balançou a cabeça. -Eu sou fraco.

Rafael balançou a cabeça e não perguntou mais nada. Quando chegou o dia da mudança de Júlio, ele sabia que tinha que se mudar também, Dona Sheila e Washington eram ótimas pessoas, haviam cuidado de Rafael como se fossem os pais do rapaz, e ele não sabia como agradecer por tudo aquilo.

-Você sabe né que pode ficar aqui em casa o tempo que precisar, meus pais amam você. -Júlio falou fechando o zíper de sua mala quando Rafael chegou no quarto com a mochila em suas costas.

-Eu não quero abusar mais do que o necessário.

-Já disse, eles amam você. Nunca vai ser abuso. -Ele olhou para Rafael e sorriu.

-Sabe, eu nem sei como te agradecer, Júlio. -Rafael colocou as mãos em seu bolso e começou a chutar o chão com a ponta de seu tênis. -Você nem me conhecia e mesmo assim me deixou ficar aqui na sua casa, eu poderia ser um louco, roubar a sua família, mas você simplesmente me ajudou. Sério, eu não tenho ideia de como pagar isso! -Os olhos castanhos de Rafael estavam claros. -Acho que não tem favor que pague o que fez por mim, você me mostrou o que era vida de verdade.

Júlio o abraçou:

-Meu Deus, cara nunca imaginei que um traficante coração de pedra como você ia falar coisas tão bonitas assim, estou até emocionado!

-Para de ser idiota! -Rafael deu um empurrão de leve. -Estou falando sério!

Júlio começou a rir:

-Eu também! -Ele respirou fundo. -Olha, tem uma coisa que você pode fazer por mim que vai recompensar tudo isso que eu fiz por ti.

-O quê? -Sua voz soou esperançosa.

-Prometa para mim que vai fazer tudo o que eu fiz e além por outras pessoas. Você vai ajuda-las, você vai insistir, você vai acreditar nelas, mesmo que tudo em volta diga o contrário, você vai mostrar a luz que mostraram para você, você vai levar Jesus até elas.

Rafael concordou.

-Que todas as pessoas que nós ajudarmos, Rafael. Que possamos dizer para ela, me ajude a salvar mais um. -Júlio sorriu pegando sua mala.

Levar Jesus para outras pessoas, aquilo era o mínimo que ele poderia fazer.