T o d o A m o r Q u e V o c ê G u a r d o u.

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-- Porra, Leticia. -- Eu disse, quando o carro parou no sinal vermelho. Íamos almoçar juntos, mas ela havia ficado extremamente seca quando falei que tinha ido ao bar com Drummond e Vitória na noite passada. -- A gente quase não anda tendo tempo, e tu ainda vai ficar chateadinha? -- Levei a mão para apertar as bochechas dela.

Ela não conseguiu evitar o sorriso e deu um tapinha na minha mão, implicando. Sorri.

-- Okay, morena, você venceu. Sem ficar chateadinha de você ter tomado umas cervejas sem mim. -- Ela sorriu pra mim, fazendo carinho na minha perna.

-- Ótimo, agora agiliza ai que eu tô com fome. -- Arranquei dela uma risada alta, que acompanhei com um sorriso. Eu não tinha tido tempo pra tomar café da manhã hoje cedo, a fome já quase tomava forma dentro de mim e saia do meu corpo, como naqueles filmes de aliens que parasitam humanos.

-- O que tu quer comer?

-- Para em qualquer restaurante onde paga 10 reais pra comer a vontade -- Ri, logo vendo ela balançar a cabeça.

-- Estamos em São Paulo, no centro, acho mesmo que vamos achar um lugar assim?

Ri com ela, hoje era um daqueles dias que eram tão bom viver tão perto dela. O sorriso brilhava ao sol, os cabelos tão bons de passar a mão, os olhos tão lindos naquela luz. Me permiti só a olhar enquanto ela estacionava o carro, com a concentração de sempre. Entramos no restaurante, servimos nosso prato e nos sentamos para comer. Eu a observava mastigar, tão bonitinha.

Meu prato estava devidamente organizado, deus me livre tudo misturado como ela fez, comi com calma. Dividimos um suco de laranja em silêncio, não desconfortável, mas prazeroso. Ela estava ali pra mim. Peguei sua mão livre e fiz carinho com o polegar, ela logo deixando um beijo demorado nas costas da minha mão. Era bom tê-la tão perto depois de namorar a distância, era quase sonho.

Tentava guardar os máximos detalhes possíveis dela, para me lembrar quando eu estivesse com vontade de socar aquele rostinho. Ela terminou de comer e me observava, sorrindo.

-- Tá gostando daqui, amor? -- Ela me perguntou.

-- Sim, acho que já tô pegando o ritmo acelerado desse lugar.

-- O que achou do Du e da Vi?

-- O Du parece que é ligado na tomada! -- Ela riu, concordando. -- E Vi tem olhos que eu ainda não defini cor.

-- São mel esverdeado, amor. -- Ela explicou.

-- Nem é, é tão pouco perto de tudo que aquele olho tem. -- Me arrependi assim que falei. Leticia franziu o cenho pra mim, mas antes de falar algo, seu celular vibrou na mesa.

Por puro instinto, observei a tela. Notificação de whatsapp, algum nome salvo com um, espera, isso é um coração? Antes que eu pudesse ter certeza, ela pegou o celular e viu a mensagem.

-- Preciso voltar pra faculdade, amor. -- Ela acariciou meu cabelo antes de me dar outro selinho demorado nos lábios. -- Esqueci que tinha que chegar mais cedo pra resolver umas coisas. Tu tem aula agora a tarde?

-- Não, mas preciso ir comprar umas coisas, preciso de canetas novas. -- Eu estava surpresa demais com sua pressa repentina.

-- Tem uma papelaria duas quadras daqui. -- Ela apontou para a direção. -- Eu realmente preciso ir agora. -- Um beijo na testa, deixou o dinheiro da conta na mesa e saiu, as pressas.

Encarei meu prato pela metade. Ela realmente havia ido embora de uma hora pra outra. O perfume dela ainda estava no ar, e em mim. Ainda tinha a sensação nos lábios dos dela tocando os meus. Mas ela tinha partido. Mesmo eu estando tão perto dela, ela sempre consegue estar tão longe.

Suspirei, pesadamente, antes de continuar minha refeição, agora não tá mais gostosa. Paguei tudo e sai indo atrás da papelaria com o coração doendo. De repente, os problemas do meu namoro com ela voltaram. A falta de tempo, a falta de interesse, a falta de amor. Tínhamos quase nove meses de namoro, e esfriou logo nos primeiros meses. Era quase como se mantivéssemos aquilo por pura rotina, e isso me matava por dentro. Comprei o que precisava na papelaria e fui dar uma volta na cidade, precisava andar.

Mas óbvio, eu não estava no meu interior de Tocantins. Ruas passaram, avenidas virei, quando dei por mim, sabe se lá onde fiquei. Meu namoro estava cada dia mais morto e isso doía. Letícia foi minha primeira namorada, e eu realmente acreditava que daria certo. Droga, estou falando dela no passado, de novo. Senti o choro subir a garganta.

-- Ei, Caetano, perdeu o rumo de casa, foi? -- O sotaque-mistura de Drummond tomou conta da minha mente. Ergui os olhos para encarar o céu azul que ele tinha. -- Ei, tá tudo bem? Tá com cara de quem quer chorar.

Desviei o olhar. Ele tinha uma mochila nas costas e uma camiseta de um cyber. Estava indo trabalhar, provavelmente. Tinha uma bicicleta sendo segurada por ele, mas logo foi escorada numa parede de algum comércio ali. Ele me encarou, tanta empatia havia ali e tanta dor invadia meu peito. As lágrimas saíram sem permissão. Du me puxou para os braços longos dele, abraçando todo o meu frágil e patético corpo triste. Ele era grande e isso fazia que conseguisse me prender ali, um abraço tranquilo e cheio de carinho. De alguém que entendia minha dor sem nem a conhece-lá.

-- Ei Du, algum problema? -- A voz rouca da Falcão invadiu a calçada. Como eu consigo esbarrar justo com eles numa cidade tão grande? Ela também usava uma bicicleta, mochila nas costas e a blusa do mesmo cyber. Só o que me faltava, os dois trabalhavam no mesmo lugar, provavelmente um em cada turno. Lembrei de ter passado na frente do lugar algumas quadras acima daquela rua. Como eu não vi aqueles cachos lá?

-- Leva esse passarinho aqui pra casa? -- Ele falou, sorrindo. -- Caiu do ninho, eu acho, a asinha tá doendo pra voar.

Me soltei dele e sequei as lágrimas nas mãos. Os olhos cor de alguma-coisa-que-eu-ainda-não-definir me fitaram com preocupação. Não queria que ela me visse chorar. Sem rodeios, ela puxou os apoios da roda de trás e fez sinal para eu subir. Uma perna de cada lado, mãos nos ombros dela. O cheiro dela veio forte e como calmante, suspirei, sentindo o peso do mundo cair dos meus ombros. Ela começar a pedalar, deixando Du e minha tristeza pra trás.

Vitória não perguntou porque eu chorava. Eu também não quis contar. Ela pedalava calmamente, sem se preocupar com muito, sem paradas muito longas, ela parecia saber que eu precisava do vento no rosto. Quando esperamos o sinal abrir numa rua mais movimentada, ela me olhou por cima do ombro, preocupação visível naquelas iris de pura poesia.

-- Sorria, biscoitinho. -- Ela disse. -- A vida é colorida demais pra você ser tão cinza. -- Sem notar, corei e desviei os olhos. Ela falava como a mini-Vitoria leãozinho de circo que morava na minha cabeça. -- Isso, pinta a vida com o tom rosa da sua bochecha.

Sorri. Leve. Logo ela voltou a pedalar. E então já não tinha mais Letícia. Não tinha mas meu namoro escondido. Não tinha mas Araguaína pra ser casa, não tinha Araguari pra ser passado, não tinha mais medicina pra estudar. Tinha eu flutuando pela cidade dos apressados com uma juba loiro cobrindo parte da visão.

Tinha só eu e ela no mundo.

C o l e g a s.Where stories live. Discover now