Capítulo VI

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Ester


Olhei para as garotas próximas a mim: Dulce, que aparentava ter forças para virar um carro, a valentona da escola, sempre se aproveitando da fama de criminoso de seu pai e de sua aparência para conseguir dinheiro dos alunos, tudo de maneira ilícita é claro. Karen, a garota mais fútil que já conheci na vida, por ser linda, rica e popular sempre conseguia tudo o que queria. Morgana, que não escondia de ninguém que estudava coisas ocultas e desprezava todos, quase nunca falava, parecia uma montanha de gelo. Sara, a beata, doce, meiga, delicada... Me dava nos nervos, mas era muito inteligente e dedicada, provavelmente ia fazer a maior parte do trabalho sozinha. E ali estava eu, a garota sem sal da escola, que ninguém chamava pra fazer nada nos fins de semana, que não era boa em nenhuma matéria, tinha tanta coordenação motora quando um idoso, era pobre, com um pai que se preocupava demais e uma mãe que se preocupava de menos. Eu não tinha nenhum amigo, mas a Sara cismava que éramos irmãs. A verdade é que tudo com que eu sonhava era ganhar uma bolsa de estudos em uma faculdade e ir morar em um onde ninguém me olhasse estranho e risse de mim. Suspirei desanimada, não podia ter um grupo com menos sintonia; esse teatro ia ser um fiasco.

Sara começou a ler para nós a lenda que queria encenar, tive um arrepio quando um portal foi mencionado; veio-me a mente a imagem que vi no gramado, no dia em que fui parar no hospital.

_ E então, o que vocês acham?

_ Pra mim está bom. - Dulce concordou, aliás, tinha certeza de que ela concordaria com qualquer coisa que fosse proposta, só pra poder ir pra casa se despedir do pai. Ele precisaria fazer uma série de exames e iria para a capital. A madrasta dela iria junto, aparentemente mais pela oportunidade de sair desse fim de mundo do que por amor ao marido. Sara ofereceu hospitalidade para Dulce enquanto sua família estivesse viajando, mas ela preferiu ficar sozinha em casa, algo que eu também faria.

_ Será moleza criar uma trilha sonora pra essa história, tenho várias ideias... - Elas me olharam apreensivas esperando minha opinião.

_ Tudo bem, eu topo.

_ Que bom! - Não gostei do entusiasmo de Sara, meu sexto sentido soou o alerta.

_ Como a mocinha da lenda tem características parecidas com as suas, eu e Sara pensamos que você deveria representá-la. - Quase caí pra trás. Karen estava abrindo mão de ser protagonista pra eu ser? Suspeitei que ela estava usando drogas.

_ Eu?

_ Tenho que concordar que você é a melhor escolha Ester, afinal, ninguém em nossa sala tem a pele escura e os cabelos negros. - Morgana falando mais que duas frases num só dia? Isso só podia ser um presságio do fim dos tempos.

_ A Dulce tem...

_ Eu não vou fazer esse papel nem morta!

_ Não sei não. Eu nunca representei e ...

_ Calma, ajudamos você. Eu já pensei no seu figurino; um vestido branco longo, na verdade já desenhei alguns modelos. - Karen me estendeu os desenhos e peguei as folhas, nervosa.

_ Vou costurar um vestido pra você Ester, quem diria? - Sara sorriu. Nem nos meus piores pesadelos ela tinha costurado roupas pra mim.

Decidimos fazer a inscrição para os papéis, e nos encontrarmos todos os dias após a aula para ensaiar.

_ Oi meninas! - Rodrigo chegou sorrindo.

_ Oi Rodrigo! - Karen retribuiu o sorriso sem esconder sua queda por ele.

_ Estão tão concentradas... Decidiram o que fazer pra comemoração?

_ Vamos produzir uma peça teatral. Por que você não se inscreve para um papel? Iria ser ótimo ter você no elenco. - Bem do feitio dela; se aproveitando da situação pra tentar fisgar o garoto mais cobiçado do colégio.

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