Capítulo 4 - O Preso

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  Na terceira série aconteceram coisas interessantes, mas o que mais deixoumeu irmão comovido foi o dia em que o diretor o chamou e lhe disse: 

― Renato, temos o pedido de um preso que cumpre pena na penitenciáriado Estado. 

Ele quer conhecê-lo. Diz ter ganho o jornalzinho do colégio e que o leutodinho, adorando o seu trabalho sobre a bandeira. 

Renato ficou maravilhado. Telefonou ao pai pedindo permissão para ir àpenitenciária. 

Fomos, Renato e eu, em companhia do nosso professor de português. 

O preso tinha o rosto macilento, o olhar triste, deveria ter uns quarentaanos. Estava com roupa azul e os cabelos cortados e unhas limpas. Contou quematara um homem em uma briga em defesa de um velho. 

Foi assim. Ele estava em uma venda, em Osasco, bebendo cerveja. Ovelho encostou a cadeira na parede de um tal jeito que só os dois pés traseirosficavam no chão, os outros dois a uns vinte centímetros do chão. E foi aí queentrou um homem jovem, alto e forte e disse: 

― Segurando a parede, hem vovô? Aposto que se pegar assim nos pés dacadeira o vovô cai de costas no chão. 

E sem dar tempo ao pobre velho para se levantar, ele segurou os pés dacadeira e os puxou, largando rápido e o velho ficou estatelado no chão. Foi aí queo preso se voltou para o recém-chegado:

 ― Não faça mais isso. Respeite os velhos, pois esse homem aí poderia sernosso pai.E assim começou a briga. 

Os dois armados com facas lutaram e o presovenceu e sobreviveu, apesar de ficar bastante ferido. Ia ficar preso seis anos. Játinha passado dois. Ele aprendeu a ler e a escrever na prisão. Também aprenderaa amar e a venerar a Pátria. Ele também fizera um trabalho sobre a bandeira, etirou do bolso um papel dobradinho e o entregou a meu irmão. 

― Diga-me se gosta. 

Renato leu alto. A composição era muito bonita. Renato o abraçou e o presobeijou-lhe as duas mãos com lágrimas nos olhos a escorrer-lhe pela face. 

Depois disse com a voz embargada: 

― Eu tenho um filho de sua idade que me despreza porque matei. Nuncamais senti seus braços em meu pescoço. Isso é muito triste. 

O preso chorava. Esperamos ele se acalmar e ficamos atentos ao que elefalava: 

― Eu quis conhecê-lo para lhe pedir um favor, senhor Renato. Soube que osenhor é o primeiro aluno da classe e que tem um bom coração, ajudando aspessoas que precisam do senhor. 

  Renato olhou para o nosso professor, ficando vermelho. Renato ficavaencabulado quando o tratavam cerimoniosamente. O preso continuou: 

― Meu maior desejo é ver o meu filho. Traga-o para mim. Sei que osenhor será capaz disso. Aqui está o endereço...

 À noite, quando papai chegou, Renato pediu-lhe que o levasse à casa dopreso, lá em Guarulhos. Chovia muito, nesta noite, e o carro de papai nãoconseguiu descer a rua indicada pelo preso. Era uma rua de terra com grandesburacos e com casas paupérrimas. Também não havia luz elétrica, nem na rua,nem nas casas. Fiquei olhando a rua com o coração batendo de medo. Papai fezquestão de nos acompanhar e nunca mais aquela noite me saiu da cabeça. 

Ainda ouço a risada de Renato, quando escorregou alguns metros e foiparar em uma poça de lama. E depois de uma hora, quando nos encontrávamosmolhadinhos e sujos de lama, sem termos conseguido encontrar a casa do preso,olhamos um para o outro e batendo as mãos nas roupas para nos limparmos,começamos a rir sem parar. Papai permitiu que Renato e eu voltássemos no diaseguinte. Acordei com Renato abrindo a cortina da janela de meu quarto,gritando: 

O EstudanteOnde histórias criam vida. Descubra agora