TRÊS

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       Um dia se passa e com ele chega a festa de fim de ano da escola. O ocorrido de ontem deixou todos traumatizados, não só em nossa pequena cidade, mas também em todo o país, a cena repercutiu e diversos noticiários de todas as áreas do Alvorado mostraram as cenas do homem morto sobre o palco. E infelizmente, no título de muitas matérias haviam coisas como "Rebeldia: Homem confronta coronel de uma cidade do sul do país e tem o devido castigo." Sinto uma ânsia ao ler essas coisas, quero vomitar diante de toda essa barbaridade. Não sei se os jornalistas são obrigados a fazer matérias como essa ou se as fazem por livre e espontânea vontade, prefiro acreditar que seja a primeira opção.

Faltando apenas uma hora e meia para a festa começar, me encontro em meu quarto, de frente para o espelho do meu guarda-roupa enquanto me arrumo para sair. Mesmo depois de já ter vestido a roupa ainda tenho dúvidas se devo comparecer à festa ou não. A roupa que visto não é lá essas coisas, mas é de longe a melhor que tenho, um vestido preto tomara que caia, o famoso vestido tubinho. Ele é soltinho em baixo e fica acima dos joelhos com uma pequena abertura nas costas.

Fiz uma maquiagem leve mesmo sabendo que vou para uma festa, não consigo me sentir cem por cento confortável com muita maquiagem, me sinto artificial, como se estivesse usando uma máscara sobre minha cara e não deixando ninguém ver o meu rosto. Todos os meus itens de maquiagem são os mesmos que os de minha mãe, tínhamos que dividir pois não podíamos comprar produtos individuais e só podíamos usar em ocasiões importantes, sorte a minha que minha pele é quase do mesmo tom da sua, então eles funcionam para ambas.

Para mim, maquiagem é uma coisa sem muita utilidade, nunca fui fã do uso, mas mesmo assim utilizo por puro modismo. O mais relativamente pesado que decidi usar foi um batom vermelho, eu me sentia um pouco estranha com ele e com sua tinta grudada em minha boca, mas bastava encarar o espelho por alguns segundos e logo eu me acostumava, mesmo parecendo outra garota bem diferente.

O mais inesperado veio depois, o salto alto. Esse realmente eu nunca utilizava, tive que buscar dentro do armário dos fundos e cheguei a encontra-lo um pouco empoeirado. Dei uma limpada rápida e os coloquei em meus pés. Os saltos eram simples, porém elegantes, uma corrente subia pelo meu tornozelo dando duas voltas. Sorte a nossa que minha mãe e eu calçávamos o mesmo número do pé, assim podíamos dividir os nossos sapatos também. Inclusive esse par de saltos eram dela, que resolveu me dar ano passado, ela disse que já estava velha demais para eles. Mesmo eu só tendo utilizado duas vezes durante o ano, ainda sabia como domina-los. Com a minha rapidez de aprender as coisas facilmente, isso foi moleza para mim.

"O aprendizado torna o ser humano capaz de qualquer coisa. "

Mais uma vez as frases e dicas de meu pai fazem efeito em minha vida. Porque eu sei que enquanto eu tivesse garra, determinação e força de vontade comigo, eu era capaz de qualquer coisa. A pratica, experiência e a aprendizagem me proporcionavam tudo o que eu quisesse. Repeti para mim mesma as palavras ditas pelo meu pai e desci as escadas.

Com o ruído dos saltos batendo contra o chão, os olhares de minha mãe e meu irmão caem em cima de mim quando escutam o som dos sapatos ao pisar no último degrau.

— Uau — É o que sai da boca de meu irmão, que se abre formando um O. Nossa mãe, se levanta do sofá com um sorriso e vem até mim.

— Você está linda!

Eu a abraço com um abraço apertado e ela retribui com delicadeza para não amassar minha roupa, como sempre tão cuidadosa comigo.

— Obrigada — Digo — Obrigada por tudo o que a senhora fez por mim, se cheguei até aqui foi graças a tudo o que você e o papai fizeram por mim.

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSWhere stories live. Discover now