3 - Trexis

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Até que morrer não foi tão ruim. A pior parte mesmo foi a transição vida/morte, ela sim foi terrível. Mas a morte em si, não. Vou tentar explicar como é essa transição. Imagine alguém com um bisturi cortando cada veia, nervo, músculo, carne de todo seu corpo pacientemente e com isso, te desprendendo do mundo mortal... E sem anestesia! É mais ou menos isso. Porém, depois que isso passa você acaba caindo numa espécie de sono muito profundo. Não sente nada, não pensa nada. Parece que nesse instante você só existe e nada mais.

Acordei de repente. Estava em um lugar que fazia mal aos meus olhos. O local era totalmente branco e infinito em todas as direções, a ponto de eu não saber se estava em cima de um chão ou se flutuava. A cor branca por todos os lados fazia com que meus olhos não tivessem um ponto para se fixar, fazendo com que eu ficasse passeando com eles por todo o local.

Me sentia arrasado. Mesmo estando morto, meus sentimentos estavam bem vivos. O remorso era como uma corda em meu pescoço, sufocando meu próprio espírito. Não sei como foi possível, mas enquanto estava ali, ainda chorava. Chorei mais do que quando em toda minha vida. O pior de tudo era não poder fazer mais nada, a não ser ficar lembrando repetidas vezes a cena da morte de minha família. A lembrança era tão vívida que parecia real. Estar morto deixava tudo mais intenso. Desde meus sentimentos até minhas lembranças.

Chegou a um ponto que eu não conseguia mais chorar. Não sabia quanto tempo havia passado, mas já me sentia consolado. Acho que conformado é uma palavra melhor. Eu me sentia conformado. Porém, a amargura em meu peito era como uma estaca no coração de um vampiro. Ao invés de ficar relembrando a morte deles em minha mente, passei a procurar momentos bons que havíamos vivido. Entretanto, eu havia levado uma vida tão superficial que não tinha muitos momentos realmente felizes. Lembrei de uma vez que fomos a um parque de diversões, nada muito especial. Pensei se aquilo era realmente a morte: ficar vagando em meio à imensidão do nada, só seu espírito e lembranças. Talvez este fosse o pior castigo.

Resolvi explorar o local, apesar de não ter muito para ver. Na verdade, eu só estava cansado de ficar parado no mesmo lugar. Usei a teoria de que a camada abaixo dos meus pés era o chão. E quando mudei meus pés da posição vertical para a horizontal, o local se tornou sólido como se fosse o solo. Não posso dizer que andei em linha reta, mas fiz o melhor que pude. Andei muito, mas não sentia que saía do lugar. Após muito tempo caminhando, no horizonte avistei uma mancha negra no chão. Comecei a correr movido pela curiosidade. Dessa vez eu notava que estava avançando, pois a cada nova passada, a mancha negra ficava mais próxima. Ao chegar perto, vi que era um imenso vão no chão. Era um quadrado negro, que parecia ter sido desenhado em uma folha de papel. Olhei em seu interior e não havia nenhuma luz presente. A única coisa visível era uma escada que descia para dentro dele, pois seus degraus eram feitos da mesma matéria branca que compunha o resto do lugar.

Meu instinto fez com que eu descesse os degraus. Meus olhos demoraram a se acostumar com a escuridão. À medida que eu descia os degraus, a escuridão se dissipava de meu redor. Um arrepio em minha nuca tirava meu sossego. Até que, por fim, cheguei ao final da escadaria. Me decepcionei bastante, pois lá em baixo era uma réplica exata da parte de cima. Uma imensa branquidão. A morte era muito tediosa. Andei alguns passos adiante, ficando a uma boa distância do último degrau da escada, e por fim me virei, na intenção de subir de volta. Tenho que dizer: não foi uma boa ideia.

Toda escuridão, que antes impedia minha visão, tinha se acumulado atrás de mim, enquanto descia a escada. Ela havia ganhado forma de uma densa nuvem negra que flutuava em minha direção. Essa nuvem, ao sair de cima da escada, começou a se moldar. Ela se contorceu toda e foi ganhando aspectos daquelas massinhas de modelar. Por fim, ela tomou a forma de um garoto com cabelos encaracolados, mas mantinha sua cor negro fosco. A única coisa que ele possuía em seu rosto era um relevo que mostrava serem seus olhos, relevo parecido com os pontinhos que marcam os números em um dado ou em uma peça de dominó. O garoto não tinha nariz, boca, orelhas ou qualquer outra coisa, entretanto, o relevo de suas roupas podia ser notado, mesmo não tendo diferenças de tonalidade. O incrível é que mesmo sem boca, ele falou:

Três Desejos [ DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now