Capítulo 1

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Será que não estava ninguém em casa? Carreguei no botão da campainha mais uma vez. A porta finalmente se abriu e uma figura alta permanecia à minha frente. Raios! O rapaz era lindo, mas, de alguma maneira, assustador. Os seus olhos pareciam esmeraldas sombrias e indecifráveis que me perscrutavam, como se estivessem a olhar dentro da minha alma, lendo cada um dos meus pensamentos. Estes contrastavam com os caracóis fofos e escuros, que lhe caiam na testa. A sua pele era clara e pálida e, os seus lábios, rosados e carnudos. Uma estranha combinação que resultava num rosto quase angelical. Usava uma camisola branca, sem mangas e umas calças de fato de treino gastas. O suor escorria da sua testa, o que dava a entender que estivera a fazer exercício.

A sua presença era algo perturbadora e dei por mim a olhá-lo demasiado fixamente.

“Sim?” Ele perguntou indiferente.

“A D. Anne está?” Eu tentei parecer educada e, ao mesmo tempo, calma.

“Não.” Ele respondeu secamente.

“Ah, está bem… Importas-te de lhe devolver esta travessa?”

“Não.”

Ficámos uns bons dois minutos ali parados. Eu a segurar na travessa e ele com os olhos postos em mim. Foi um dos momentos mais constrangedores por que já passei. Por que carga de água é que ele não pegava na maldita travessa? Aquilo estava a irritar-me…

“Ouve lá! Tu estás a gozar comigo?” Eu explodi.

“O quê que eu fiz?” Ele armou-se em inocente.

“Porque raio é que não pegas na travessa e a levas para dentro?”

“Tu perguntaste-me se eu me importava. Não pediste para eu o fazer.” Ele parecia divertido com a situação.

“Ok! Vamos recomeçar… Será que podias devolver esta travessa à D. Anne?”

“À minha mãe…”

“…À tua mãe.”

“Com certeza!” Ele respondeu orgulhosamente.

“Muito obrigada!” Passei-lhe a travessa e acrescentei: “Tem um bom dia.” Virei costas e fui-me embora. Aquele miúdo era o ser mais irritante que alguma vez se cruzou comigo! Mas havia algo nele que me despertara uma enorme onda de interesse. Só de pensar nos seus olhos, arrepios percorriam-me a espinha.

Vocês devem estar a perguntar o porquê de eu ter ido ali entregar uma travessa. A verdade é que eu tenho o vício de começar a contar as coisas pelo meio.

Eu e a minha irmã, Sophie, de dois anos, mudámo-nos para Londres esta semana. Sozinhas, desnorteadas, depois de o pesadelo que nos atormentou por tanto tempo ter finalmente acabado. Era o nosso recomeço de vida. Todos os meses Katy, uma amiga da minha mãe, manda-nos dinheiro para pagar as nossas despesas. Estranhamente, ela entendia a minha necessidade em me afastar daquela terra fria e longínqua, no Norte do Canadá, que, tanto me trazia as melhores memórias, como as piores. Foi ela que nos ajudou a arrendar este apartamento.

Quando cá cheguei fiquei bastante surpreendida. Nunca imaginei que isto fosse uma cadeia de apartamentos. Estes formam um quadrado à volta de u enorme jardim, que tem um parque com escorregas e baloiços – ideal para a Sophie – e uma piscina de forma retangular que, nesta altura do ano, está cheia de pessoas. Pode-se dizer que é um espaço bastante acolhedor.

O nosso apartamento ficava no 4º piso e tinha vista para o interior, ou seja, para o jardim. Pouco tempo depois de termos chegado, quando eu estava a começar a desempacotar as nossas coisas, tocaram à campainha. À porta encontrava-se uma senhora muito simpática, com uma travessa na mão. Disse-me que era uma velha amiga de Katy e que cozinhara aquela lasanha, que tinha um cheirinho maravilhoso, como forma de boas-vindas.

E foi por isso que eu estava ali. Para devolver a travessa.

-

Regressei a casa a pensar naquele estranho rapaz. Era mesmo pacóvio! Lindo, mas pacóvio.

Fui, novamente, desempacotar as minhas coisas. A Sophie estava a dormir, o que tornava as coisas mais fáceis. Não é que ela seja um embaraço ou uma responsabilidade. Não, é claro que não. Eu tenho o maior prazer do mundo em cuidar dela. A verdade é que, de alguma maneira, sou eu a sua mãe. Sou eu que acarreto com todas as preocupações e, com dezassete anos, não é uma tarefa muito fácil. Mas a Sophie é tudo para mim e tudo o que tenho. Tirarem-na de mim seria como espetarem-me uma faca no coração e arrancá-lo do meu peito. Por ela eu dava tudo e mais alguma coisa. Até a minha própria vida.

Quando acabei de arrumar tudo fui à cozinha beber um copo de água. De repente, ouço uns passinhos no corredor.

“Fay?”

“Estou aqui, princesa.”

Ela apareceu à porta da cozinha, agarrada à sua mantinha.

“O meu amor já acordou?”

“Shim…”

“E tem muita ou pouca fome?”

“Muita!” Ela arreguilou os olhos. Para ela, falar em comida era como descobrir uma arca cheia de ouro.

Preparei-lhe a papa e dei-lhe.

“Sabes o que podíamos fazer?” Eu perguntei.

“Brincar às bonecas?” Ela sorriu.

“Não, princesa. Podíamos ir à piscina.”

“Fixe! A Sophie gosta de piscina.”

Eu comecei-me a rir, porque já sabia a pergunta que vinha a seguir.

“Fay…” Ela começou. “O que é uma piscina?”~

“Acabas de comer e descobres!”

Ela apressou-se e fomo-nos preparar. Vesti-lhe o seu fato de banho e pus-lhe o protetor solar. De seguida, fiz o mesmo comigo.

Quando lá chegámos, ela desatou a correr para a piscina e, depois, voltou para trás para me puxar.

“Olha, Fay! É uma banheira gigante!” Eu soltei uma gargalhada.

“Aquilo é uma piscina, docinho.”

“A Sophie adora piscina!”

“Hm…  E será que também adora cócegas?”

“Não!” Ela gritou e começou a fugir de mim. Eu fui atrás dela a rir. Fogo! Esta rapariga corre para caneco! Também para o que come!

“Sophie cuidado!” Tarde demais…

Hey! Então, o que estão a achar? Sejam sinceras... Eu sei que está um bocado chato, mas é sempre difícil começar. Eles têm de se apresentar e conhecerem-se e assim... Por isso é que eu comecei pelo meio... assim já fica, acho eu. Love you forever and after <3

Tea x.

HarmonyWhere stories live. Discover now