EU e SÁLVIA

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                   Com Sálvia era muito diferente, eu tinha vontade de cuidar e protegê-la, mas ela não se comportava como se eu fosse o pai dela.

Sálvia era forte, robusta, determinada, sabia se impor, tinha vontade própria, sabia se defender de tanto sofrer nas senzalas, sabia até lutar. Antes de vir ser mucama de minha mãe ela sofreu com sua outra senhora e conheceu o sabor amargo da vida de escravo.

Sálvia tinha uma sensualidade que era espontânea, mas ela a realçava. Ela se impunha como mulher, sabia conquistar, era esperta.

Sabia dos meus desejos e às vezes parecia que era capaz de adivinhá-los todos e fazia questão de satisfazê-los um a um.

                      Ao contrário de Poulain que era frágil, se comportava como uma pessoa dependente, não tinha personalidade forte, tudo pra ela estava muito bom, não se impunha, não ousava, sensualidade nunca demonstrava e parecia que nem tinha.

Com Poulain era tudo tão poético, tão lúdico, ela parecia ter saído de um conto de fadas onde tinha uma floresta encantada, céu azul e pássaros voando.

Sálvia era uma história real, os encantos eram reais e eu podia vivê-los.

Mas com Poulain era fácil ficar junto, me casar, ter filhos, vivermos como pessoas normais, andarmos juntos pelas ruas, não havia nada que nos condenasse.

Já com Sálvia não sabia como seria nosso futuro, para casar com ela, ou somente viver com ela, às vezes pensava se ela tivesse um filho, como seria?

Para livrá-la da tirania de meu pai tinha que ficar cada vez mais distante dela na presença dele. Levá-la para o quilombo deixando-a longe de mim era uma situação que eu não podia aceitar.

Saber que ela despertava desejo em outros escravos e que eles a rodeavam também me deixava incomodado e já quase lutei capoeira com capataz ao escutar as palavras maliciosas que ele falava sobre ela ao vê-la de longe.

Perguntei a tia Hortênsia em carta sobre Poulain de curiosidade, ela escreveu-me:

(...) Poulain! Aquele doce de pessoa!

Casou-se com um médico, igual à vosmicê, parece que como ela não pôde ter a vosmicê por marido, arranjou uma cópia sua, não foi difícil ser cortejada por ele, pois ela moça cobiçada pelo seu grande dote, pertencente a uma família nobre de Paris, não demorou a se casar.

Foi bom para ela, sua mãe me disse que ela estava muito magra e já se via em estado de sofrimento aparente depois que vosmicê voltou para Vila de São Marcos, ela perdera as esperanças de vez na vida.

Esse médico ao cortejá-la fez um grande favor, os pais de Poulain apressaram logo de casar sua única filha (...).

                  Que Poulain me perdoe por fazê-la sentir as dores da rejeição da pessoa amada parece que é a maior ou a pior dor do mundo quando se sente.

Se pudesse escrever a ela para me perdoar.

Mas tem coisas que somente o tempo cura e que esse marido de Poulain fosse bem melhor marido do que eu seria para ela.

É o que eu desejava!

              Depois da briga por causa de Kijani, não dirigia a palavra a Sálvia e nem ela a mim, paramos de nos encontrar, eu estava evitando vê-la. Estava sofrendo com isso, agora não sei como será?

O FILHO DO SENHORWhere stories live. Discover now