3 - parte 2

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Lúcia me explicou rápido demais minhas funções e me esforcei para pegar tudo, ou pelo menos o máximo possível. Sua expressão sempre fechada e debochada. Não se esforçava em nada para ser legal, sequer simpática, e eu não entendia de onde vinha sua antipatia por mim. Por fim, perguntei da maneira mais educada possível.

— Não entendo o que te fiz. Estou aprendendo devagar demais?

Ela revirou os olhos impaciente e olhou para a porta da sala de Christopher antes de se aproximar do meu ouvido e destilar:

— Não pense que me engana com essa pose de boazinha. Sei muito bem porque conseguiu esta vaga.

— Eu realmente duvido muito que saiba — respondi sendo sincera, mas ela tomou como uma provocação.

— Dormir com o chefe não é tão difícil, sabia? Você não é a primeira e com certeza não será a última.

Fiquei tão chocada que sequer consegui formular uma resposta. Continuei fazendo meu trabalho em silêncio depois disso, e comecei a pedir ajuda a algumas outras pessoas, de outros andares, pelo chat da empresa, seria bem mais fácil aprender daquele jeito. Concluí que era tão difícil alguém ser bom, que já não acreditavam mais na bondade alheia. E isso era muito triste.


As horas se estenderam após Lúcia mostrar sua posição quanto a mim, e quando finalmente meu horário encerrou, saí mais animada do que cansada, embora o esforço incomum tenha cobrado seu preço. Antes de ir ver André, decidi ir ver Liz, precisava contar a ela o que havia acontecido na minha vida nos últimos dias.

Sentei-me em frente sua lápide e conversei com ela por alguns minutos, deixei que as lágrimas caíssem, expressando a saudade que eu sentia dela. Nada mais seria igual, mesmo depois que André fosse solto, mesmo depois que eu deixasse o emprego, ela não estaria lá dormindo no quarto ao lado todos os dias, batendo na parede quando André e eu fazíamos barulho, mostrando-me fotos das crianças da escolinha onde trabalhava, não dividiria seus planos e nem os meus. Ela era minha única família. Eu amava meu noivo, estávamos juntos há quase dois anos, mas ela era meu sangue, tinha muito de mim, era um pedaço imenso meu. Quando soubemos que eu seria retirada da fila de transplante, tivemos que lidar com o fato de que eu morreria antes do que poderíamos imaginar. Que provavelmente não demoraria muito tempo. Nós nos preparamos psicologicamente para isso. Eu estava preparada para deixá-la sem mim, mas jamais me preparei para ficar sem ela. E lembrar de cada conselho que dei a ela para superar minha ausência não me ajudava em nada. Que tolas nós fomos! Achar que palavras apenas seriam o suficiente para suprir a perda de alguém que amamos. Ela me odiaria quando a minha ausência doesse, assim como a odeio às vezes, por ter partido antes de mim, por me fazer sentar na grama e conversar com uma pedra como se fosse ela, e esperar ouvir sua voz debochada com as respostas mais imprevisíveis possíveis. Eu nunca mais ouviria aquela voz.

Quando o ar ficou pesado demais para mim, e meus sentidos pareceram fraquejar, decidi ir ver André antes que precisasse de repouso e não pudesse fazê-lo, de novo.

Levantei-me e então o avistei: Christopher. Ele estava de costas, mas eu o reconheci à distância. Parecia escondido atrás de uma lápide, observando uma mulher muito bonita. Ela tinha longos cabelos negros, parecia uma dessas modelos, e estava grávida. Sua barriga era pequena, mas dava para ser notada. Aproximei-me dele devagar assim que ela se afastou, ela não pareceu tê-lo visto.

— Você não é o pai, é?

Ele se assustou com minha voz e negou com a cabeça, aproximando-se da lápide que ela olhava.

— Não, não sou. O que faz aqui?

— Irmã, e você?

— Nada. Estava apenas observando, achei que ela fosse precisar de ajuda, é uma conhecida. Mas acho que está bem.

SACRIFÍCIO - DEGUSTAÇÃODove le storie prendono vita. Scoprilo ora