Antigamente, se bem me lembro, minha vida era um festim no qual todos os corações exultavam, no qual corriam todos os vinhos.
Uma noite, sentei a Beleza em meus joelhos. - E achei-a amarga. - E injuriei-a.
Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó feiticeiras. ó miséria, ó ódio, a vós é que foi confiado o meu tesouro!
Tudo fiz para que se desvanecesse em meu espírito a esperança humana. Como um animal feroz, investi cegamente contra a alegria para estrangulá-la.
Conjurei os verdugos para morder, na minha agonia, a culatra de seus fuzis. Conjurei as pragas, para afogar-me na areia, no sangue. Fiz da desgraça a minha divindade. Refocilei na lama. Enxuguei-me ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
E a primavera trouxe-me o horrível gargalhar do idiota. Ora, por último, chegando a ponto de quase fazer o trejeito final, sonhei encontrar a chave do festim antigo, no qual talvez recobraria o apetite.A caridade é essa chave. - Esta inspiração prova que tenho sonhado!
"Sempre serás hiena, etc..." exclama o demônio que me coroou de tão amáveis papoulas. "Vence a morte com todos os teus apetites, com todo o teu egoísmo e todos os pecados capitais".
Ah! estou farto de tudo isso: - Mas, querido Satã, eu te conjuro a que não me fites com pupila tão irritada! E à espera das pequenas covardias atrasadas, para vós outros que admirais no escritor a ausência das faculdades descritivas ou pedagógicas, para vós arranco algumas hediondas páginas do meu caderno de condenado.
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Uma temporada no inferno - Arthur Rimbaund
RandomEmbora tenha parado de escrever aos 21 anos, Arthur Rimbaud (1854-1891) foi uma das vozes poéticas mais talentosas já vistas, e sua pequena obra influenciou os maiores escritores dos séculos XIX e XX. Uma temporada no inferno, de 1873, é o visceral...