Um Café

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No relógio já eram quase cinco da manhã e nós tínhamos acabado de transar, ambos haviam feito os seus papéis esplendorosamente bem. Levantei-me da cama e fui acender um cigarro, a temperatura estava baixa e o silêncio parecia imperar no quarto.

Lateralmente eu enxergava o meu reflexo no espelho que dava de cara com a cabeceira da cama; o não tão alto, o não tão branco, cabelos cacheados, olhos ofuscados e castanhos, este era eu. Um sussurro veio por detrás de mim, acompanhado por mãos que cinturavam os meus quadris, a voz calente e suave dizia "eu te amo".

- Você me ama, Dimas? - o murmúrio perguntou logo em seguida, entretanto eu não tinha uma resposta para dar.

- Ora, não faça perguntas estúpidas! - respondi como um chefe que rispidamente destrata um funcionário, embora no fundo esta não fosse a intenção.

- Resposta errada. - ele me disse em replica.

Desvencilhei-me dos braços que outrora passeavam livres no meu corpo desnudo, coloquei-me frontalmente em relação o corpo dele, dando costas para o espelho. Abelardo estava sem camisa, ele tinha o abdômen rijo como mármore, ombros largos como asas que se lançam em voo, lábios finos como seda e um bigode ralo e discreto como aqueles que vemos nos filmes franceses. Assim como eu, ele era pardo - só que mais claro - e seus cabelos eram igualmente cacheados, só que bem mais definidos.

Seus olhos me fitavam densamente agora, desejavam uma resposta clara e simples, algo completamente alheio a mim. A maioria das pessoas não consegue achar qualquer prazer em ter de, lentamente, descobrir as coisas.

- Vou perguntar novamente... - ele fez uma pequena pausa - Você me ama? - Abelardo franziu a testa enquanto perguntava, por alguns instantes lembro-me que revivi certas memórias, como quando ele me disse que era canceriano, e como daquela vez que nos beijamos na sala do colégio naquela aula de história, foi o nosso primeiro.

- Você precisa desta resposta? - questionei-o tal como um psicólogo teria feito.

- Sim, você sabe o quanto isto é importante para mim. - algo na sua voz havia mudado, ele estava mais intrusivo, por vergonha, talvez? Não sei. Provavelmente a minha pergunta o tenha feito se sentir constrangido.

Dei um trago final no cigarro, e o lancei pela janela do quarto que tinha vista para um daqueles parques que chamam de playground, mas no fim são apenas algumas gangorras e balanços fincados na areia.

Passei minha mão por entre os meus cabelos e os olhos dele acompanharam o meu movimento. Ele era atencioso e deveras inteligente, queria fazer medicina, e fazia jus aos seus sonhos, os pais dele eram muito orgulhosos quanto a escolha de curso do filho.

- Se eu disser "não", você ainda vai me deixar tomar café aqui hoje? - ensaiei a possibilidade de dar uma resposta negativa, contudo ele me pareceu mais surpreso do que aborrecido, talvez estivesse reprisando a cena. Eu poderia ter sido mais irônico?

- Você é impagável... - ele confessou um pouco entristecido - todavia temo que esteja na hora de ires - concluiu.

- Então eu não vou poder tomar café? - perguntei ousadamente, mas ele não parecera gostar de minha petulância, tanto que Abelardo estava indo pegar os meus sapatos para que tão cedo eu os pusesse, eu partisse. Fui em sua direção quando ele afastou o meu corpo do dele.

- Não se irrite, por favor! Eu posso te animar, me permita! Eu te pago um boquete. - disparei já pondo as minhas mãos no local devido, eu realmente teria me submetido se não fosse por sua recusa.

- Sério, Dimas? Você acha que tudo se resume a sexo e... Oral? - ele rufou, estava visivelmente amofinado com o que eu houvera dito.

- Como podes gostar de mim desta forma? Você se ira com cada frase que eu digo. - desabafei desânimado.

Peguei meus sapatos por mim mesmo, sentei na cama e os calcei, não disse uma palavra sequer. - O que diabos eu diria? - sai do quarto pela janela, lá havia uma árvore de modo que não foi difícil descer por ela. 

Não olhei para trás, não porque eu não queria, e sim por uma questão de orgulho, mas já quanto a ele, não tenho dúvidas de que ficou no parapeito olhando enquanto eu ia até perder-me de vista depois do parquinho.

Há alguns metros do playground estava uma parada de ônibus, não havia ninguém lá, esperei por cerca de dez minutos e, olhando para as nuvens, uma coisa eu posso afirmar com certeza, brevemente viria a chuva.

Eu estava tão distraído que não vi quando duas pessoas vieram sentar-se ao meu lado, uma moça e uma senhora, elas conversavam sobre futebol, a copa do mundo havia acabado por esses dias, não é mesmo?

Mais dois minutos e nada do meu ônibus. Eu estava seriamente repensando em atravessar a cidade andando, perdido nos meus pensamentos nem o vi chegar.

- Quer tomar um café comigo?

Um CaféWhere stories live. Discover now