18. Câncer

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Assim que chegamos lá, Tuti já esperava sentado em um dos sofás ao lado da minha mãe tão abalada quanto meu pai. Era a primeira vez que via meu irmão mais velho realmente preocupado com a situação da nossa família. Foi a minha vez de sentar com Davi no sofá maior enquanto via nosso pai se levantar para começar a falar.

- Muito bem, já que estão todos aqui, vou começar. - Meu pai procurou pelo olhar de minha mãe que retribuiu, incentivando-o a continuar. - Eu e sua mãe temos agido estranho nos últimos dias, mas temos um motivo para isso. Sei que isso está afetando o rendimento escolar de vocês, por isso decidimos compartilhar dos nossos problemas. - O chefe da família esfregou o rosto e umedeceu os lábios antes de continuar. - Eu perdi o emprego, crianças. O pai de vocês está desempregado.

Então era isso. Aquele tempo todo era isso. Meu pai, o homem que uma vida toda carregou aquela família ao lado de minha mãe, que lutou para que seus filhos não passassem por dificuldades, agora estava desempregado.

Durante a crise, eu vi muitos pais de colegas perdendo seus empregos, mas jamais imaginaria que isso afetaria minha família. Sabia como era difícil se recolocar no mercado, sabia quantos deles entravam em depressão ao não conseguirem uma oportunidade de recomeçar.

Naquele momento eu apenas procurei pelos seus braços e chorei. Abracei meu pai com força e chorei de soluçar junto com ele. Não demorou para que eu sentisse os braços de outros integrantes da minha família.

- Calma. - Meu pai nos afastou, acariciando meu rosto. - Vai ficar tudo bem. - Então sua mão foi ao filho mais velho, acariciando seus cabelos e um sorriso foi direcionado ao seu mais novo, enquanto apoiava a mão livre em seu ombro. - Eu prometo.





A verdade é que eu não consegui dormir naquela noite. A maior parte do tempo eu só chorava e pensava que não tinha ninguém para desabafar. Já era tarde e eu não queria incomodar meus amigos. Só tinha uma pessoa a qual eu podia recorrer tarde da noite.

Me levantei e caminhei até o quarto dos meus irmãos. Achei que eles estariam dormindo, mas estavam conversando e pararam assim que eu entrei.

- Que susto, Julia! - Arthur sussurrou em alerta.

- Parecia uma assombração. - Davi concordou.

- Também não conseguem dormir? - Mordi a unha do polegar, olhando de um irmão à outro.

Davi ergueu a coberta e me chamou para deitar com ele, e eu o fiz sem demora.

- Estamos traçando um plano para reduzir gastos. - Tuti foi quem voltou a falar enquanto eu me ajeitava na cama de casal do meu irmão mais novo. - Acho que vou largar a faculdade.

- O quê? Tuti, não. Você ama a faculdade. - Meus olhos marejaram e eu me apoiei no braço para olhá-lo.

- Eu amo, mas posso ficar sem ela durante um semestre ou mais. - Deu de ombros. - Além disso, vou atrás de um emprego.

Pressionei os lábios e me deitei na cama, esfregando o rosto enquanto sentia o choro voltar pouco a pouco. E foi com uma voz chorosa que eu voltei a falar:

- Acho que teremos que fazer o mesmo. - Olhei para Davi. - Transferir para uma escola pública, eu terei que adiar a faculdade e arrumaremos um trabalho.

- Calma, Ju. - Davi me abraçou para si e beijou meus cabelos enquanto eu afundava meu rosto em seu peito. - Não é o fim do mundo.

Talvez não fosse o fim do mundo dele, mas era o do meu mundo.





Dormi depois de muito chorar. Estava cansada, mas ao menor sinal de movimentação eu já estava desperta. Eu e meus irmãos havíamos decidido comunicar nossas decisões naquele café da manhã, logo depois de nos vestirmos para o que talvez fossem nossos últimos dias normais, com a mesma rotina há um bom tempo.

Não Acredito Em SignosWhere stories live. Discover now