Um dos Albuquerques

11 2 0
                                    

Meu pai encara o cachimbo, está cogitando a idéia de usá-lo como desculpa para sair. Pedro mantém o olhar na garoa que aparenta ser a introdução de uma chuva forte o bastante para ser digna de uma xícara de chá e um bom livro. Já a prima do meu pai, a madrinha, está escolhendo as palavras certas para narrar o que quer que seja que o Albuquerque lhe disse. Ela simula falar alguma coisa mas eu lhe corto pelo impulso de não querer ouvir nada a respeito em presença do meu pai e do meu irmão.

- Que tal eu tomar um banho antes? - seu sorriso se desfaz num instante. - Estou exausta e seja lá o que quiser me dizer pode esperar pelo menos uma hora, não é?

Ela não se opõe e acena com a cabeça.

- Obrigada.

Termino os degraus e tento não olhar para meu irmão enquanto atravesso o corredor. Um lampejo de alívio percorre meu corpo assim que me apoio contra a porta fechada do meu quarto. Havia uma banheira já preparada, na sala de banho contígua à alcova, com sais de lavanda. Será que a madrinha me conhecia tão bem?

A janela e a porta da varanda estão fechadas e a chuva canta uma monótona e harmoniosa melodia. Os candelabros iluminam meu quarto e o ambiente se torna tão acolhedor quanto eu estava acostumada que fosse.

Ainda de robe, deito na cama e encaro o dossel quadrado. Não me lembro do porquê de ter escolhido tons de dourado e castanho para o quarto, mesmo com as paredes brancas ele me parece mais escuro do que deveria.

Caminho ainda descalça pelo único tapete, aveludado e cor de carmim, é a única cor que se sobressai de verdade na decoração. O salário de criada não era tão ruim, principalmente com as horas extras e a generosidade da dona Laura.

Paro rente à varanda. Tudo está escuro não posso conversar com a Lua hoje. Apesar do vidro embaçado sinto um calafrio, sinto estar sendo observada. Algo lá fora se parece com a silhueta de alguém, de um homem, eu acho. Mas a mancha se mistura tão bem ao breu que busco acreditar que é minha imaginação. Minhas mãos repousam sobre o metal gélido das maçanetas cor de bronze. Quero sair, sentir a chuva, receber o toque do Vento, me sentir abraçada pelo meu amigo da noite, mas tenho receio de aquela silhueta ser real.

Encaro o lugar que deveria ser o rosto dessa pessoa e prendo a respiração ao notar de que não é uma mancha semelhante a uma pessoa. É o homem de preto. Aquele que ouviu minha conversa com a Lua. Seu rosto está envolto num lenço negro como a capa e o chapéu que usa. Breu. Tive o devaneio de criar um nome para ele. Os olhos brilham, verdes como a floresta, eles refletem algo que eu me sinto tentada a decobrir o que é.

- Já que Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. - Assustada, surpresa, confusa, dou um passo atrás e esbarro na madrinha. - Será que podemos conversar?

Relutante , aceno para ela e me sento no divã próximo aos pés da cama. Ela segue meu exemplo. Suspira. Seus olhos parecem confusos talvez até orgulhosos, mas é difícil dizer. Ela parece preocupada porém alegre e isso me deixa confusa.

- Maia - começa, segurando minhas mãos seu toque é como seda e sua voz mansa como se falasse com uma criança assustada pelos trovões - Você tem andado estranha: volta mais tarde para casa, às vezes sai mais cedo, fica pensativa pelos cantos, mais do que o normal na verdade. - suspira, olhando para a sacada, me pergunto se sabe quem está lá, se sabe que ha alguém lá. - Pensa que não vi você algumas noites saindo e observando estrelas no coreto? Eu sei que é algo novo, mas eu te peço que seja mais cautelosa, seja mais prudente. Não quero que isso vire um escândalo e, você também não. Estou certa?

- Madrinha, eu peço desculpas se tudo isso tem te preocupado. Eu não queria que as coisas fossem assim, não queria ter que esconder, ter que usar desculpas esfarrapadas na maioria das vezes, não senhora. Não entendi o que está acontecendo e acho que se eu contasse, bem, não sei como reagiria. - dona Tereza tinha o talento invisível de me fazer soltar a língua, isso seria útil numa conversa com qualquer aristicrata, mas ela raramente se atreve a sair da chácara, prefere sentar no alpendre para bordar e visita pouco as amigas, são elas que vem aqui para vê-la.

Uma Página de Cada VezOnde histórias criam vida. Descubra agora