enlouquecendo

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Kim estava focado na estrada, Calebe inquieto no banco do passageiro e eu observava a paisagem lá fora. As silhuetas das arvores passavam de pressa, as luzes dos outros veículos passavam rapidamente por nós, o mundo fora do nosso carro parecia correr mais rápido do que o normal.
Saímos da casa do Ed logo depois de vencermos Otto, eu não quis ficar nem mais um segundo naquele lugar. Calebe arrumou rapidamente as coisas  enquanto eu tomei um banho demorado tentando tirar todos os resquícios de sangue que caiu sobre mim. Kim ligou para a polícia poucos minutos depois que saímos e denunciou, em poucas palavras, um crime. A intenção era permitir que o corpo de Theodor fosse encontrado.

Passadas pouco mais de dez horas desde de a nossa partida já havíamos cruzado uma fronteira entre estados e faltava mais algumas, seria uma viagem longa e cansativa. Calebe dormiu quase o tempo todo, se desculpou por não poder curar os meus ferimentos pois estava cansado para isso, acho que para todos nós exige um gasto de energia muito forte para se usar os dons, algumas marcas rochas em seu rosto ainda não havia desaparecido completamente. Kim também estava muito machucado, com curativos por todo o rosto e reclamando de dores nas costelas.

Nós matamos Otto.

Parecia algo surreal para se imaginar. Otto era muito forte e poderíamos ter tido um final bem diferente do que aconteceu, mas soubemos trabalhar juntos e vencemos a briga.

-- Tudo bem? – Calebe perguntou me tirando de meus pensamentos.

Assenti.

-- Vamos fazer uma parada ali afrente  para reabastecer. – Kim falou indicando com a cabeça a cidade que estávamos acabando de chegar.

-- Ótimo! – Calebe falou se ajeitando no banco e olhando as luzes de uma cidadezinha pequena em lugar qualquer. – Eu estou apertado.

Paramos em um posto de gasolina.

-- Vamos demorar um pouco pra voltarmos a estrada. – Kim falou.

Descemos e eu acompanhei Calebe até o banheiro, ele entrou em um dos boxers enquanto eu lavava o rosto de frente ao espelho.

Me sentia cansado, os olhos pesados. Por que eu não dormi? Eu tinha que superar as coisas que aconteceram  afinal nada estava acabado por enquanto. Ainda estávamos fugindo de Catarina.

Respirei profundamente e esfreguei o rosto, depois apoiei as mão sobre a pia de cerâmica e fitei meus olhos através do reflexo. Meu rosto estava perfeito, eu parecia revigorado o que me causou estranheza pois me sentia muito cansado e com toda certeza aquele rosto não  era de uma pessoa cansada.

Eu não estava sorrindo, por que havia um sorriso estampado naquele rosto refletido no espelho?

-- Jeremy. – Falei seriamente.

Ele riu ainda mais.

-- Você esta péssimo maninho. – Ele falou me analisando de cima abaixo.

Que perfeito. La estava eu conversando com o meu reflexo fantasma em um espelho de banheiro publico onde alguém poderia entra a qualquer momento e me taxar como algum tipo de louco.

-- Jeremy, por favor, eu não estou com animo para as suas brincadeiras agora. – Falei como se ele fosse um amigo qualquer que gostava de me incomodar.

-- Vejo que nossa relação esta progredindo. – Ele falou em aprovação. – Você não gritou e nem saiu correndo...

-- Estou cansado de tudo isso.

Eu me sentia realmente desanimado. Meu cansaço falava por mim naquele momento, se eu estivesse em melhor estado estaria gritando para ele ir pro inferno.

-- Ainda falta tanta coisa. – Ele falou ironicamente. – Você só precisa de algumas horas de sono.

-- Faça logo o que você tem que fazer. – Ele bem que podia fazer logo o seu  showzinho e me deixar em paz. – Quem é o sortudo da vez no seu jogo da possessão? – Brinquei.

-- Gosto quando você está bem humorado.

-- Gosto quando você está longe.

-- Não me magoe assim maninho. – Ele falou fingindo indignação.

-- Vai embora.

Senti a chama da raiva ascender dentro de mim.

-- Eu queria ficar um pouco mais com...

-- Vai embora.

A voz dele, que também era a minha voz, estava me irritando. Eu queria voltar pra estrada, voltar para aquele carro e dormir.

-- Jimi não faz assim...

-- Vai embora. – Falei firme sem perceber Calebe saindo do boxe me olhando confuso.

-- Eu vou ficar com você Jimi!  -- Jeremy gritou com os olhos e o rosto ficando vermelhos imediatamente e as veias do pescoço ficou instantaneamente inchadas. – Não importa para onde você for, não importa o quanto você corra, eu estarei com você sempre. Não fuja de mim Jimi. Você será meu!

Minha cabeça ferveu de repente e impulsivamente meu punho quebrou o espelho com tanta força que pude sentir os cacos rasgando os meus dedos. Ele sorriu entre as frestas que se formaram separando os pedaços do espelho. Ainda mais enfurecido pela seu deboche eu me preparei para acertar o vidro mais uma vez, ignorando a dor e o sangue que já pingava sobre a cerâmica branca da pia. Porem antes de eu finalizar o golpe fui impedido por Calebe que segurou forte o meu braço.

-- O que você esta fazendo? – Ele falou preocupado me virando para encara-lo. – Jimi não faz isso.

Calebe me olhava confuso e com medo, ele não queria que eu me ferisse daquele jeito, mas eu não pude evitar. Toda a adrenalina se esvaiu quando eu encontrei aquele par de olhos que fitavam os cortes em meus dedos.

Então veio a dor.

Por que eu fiz isso? Isso era o que Jeremy fazia comigo, era o que eu deixava ele fazer comigo. Já estava na hora de eu achar uma forma de controlar ele, afinal ele faz parte de mim agora e eu terei de conviver com isso de qualquer forma.

Não posso deixar ele me controlar, eu devo controlar ele.

Calebe embalou a minha mão com as suas e pareceu se concentrar. A dor aliviou depois de alguns segundos de silencio, então ele tirou as mãos e pude ver que os ferimentos não estavam mais ali, apenas o sangue sobre a pele revelava que algo havia acontecido.

-- Você esta cansado. – Ele falou enquanto eu lavava as mãos. – Precisa dormir.

Assenti.

Calebe estava preocupado, devia pensar que eu estava enlouquecendo. Bem... A dedução não era totalmente erronia.

-- vamos encontrar o Kim. – Ele falou me conduzindo a porta. – Temos que comer alguma coisa e depois sair deste lugar.

-- Você viu ele? – perguntei me referindo ao fantasma no espelho.

-- Quem? – Me lançou um olhar desentendido.

-- Jeremy.

-- Ele estava aqui?

Assenti.

Calebe respirou fundo e me olhou com compaixão.

-- Eu quero que você seja forte, certo? – Então me abraçou. – Não deixa ele te enlouquecer.

Assenti me aconchegando naquele abraço.

O Túmulo de Jeremy Rily (Livro 2)Where stories live. Discover now