Capítulo 8 - Imprudência

54 12 9
                                    

Aquele sangue em minha boca é nojento. E enquanto afoga com seu próprio fluido, jogo aquele traste para longe de mim com os últimos resquícios de energia que possuo.

Seu corpo mole bate contra a borda da carruagem de forma desastrosa, com um som seco cai no chão abaixo.

Meus braços ardem, cuspo seu sangue para fora da boca ao mesmo tempo que me viro a fim de conseguir ficar de pé, apesar de estar exausto, forço-me a ficar de joelhos sob a madeira dura dessa carroça. Aperto os olhos por sentir ainda aquele gosto horrível e jogo mais um bolo de saliva e sangue para fora, com um suspiro pesado e um tanto aliviado, escoro-me num dos frágeis cantos de tecido dessa carroça coberta enquanto largo os braços sobre mim mesmo e aproveito a sensação relaxante que eles me trazem.

Por conta das centenas de cortes, o pano esbranquiçado que nos cercam permite a passagem da luz tardia, que entra alaranjada a esquerda, e clareia o rosto estático daquele guepardo, que deixava afrente de si as mãos magras e algemadas com um metal acinzentado, que tremem como se estivesse com muito frio.

Podia ver seus olhos amarelados focados em direção a suas próprias mãos, onde as garras estavam como meu peito, sujas de sangue. Sua boca entreaberta mostra ainda melhor o que seu admirar quer dizer, está em choque, por isso.

Assim que tenho certeza, engulo seco e aponto ao Nanci sutilmente.

— Você... – o escravo na hora começa a tremer o corpo com as orelhas caídas. – Obrigado.

Antes que pudesse agradecê-lo, o mesmo joga-se para frente e literalmente bate a testa no chão. – Me perdoe, me perdoe! Eu não devia! Me perdoe eu não devia ter feito isso! – seus punhos apertam com força, e antes que eu falasse. – Por favor me perdoe, e-eu nem devia estar falando, mas...

— Mas... – continuo sua fala. – Muito obrigado Nanci. – meu peito ainda arde pelo cansaço demasiado, aperto os olhos pela dor nas pernas que sinto ao me colocar sentado. – Obrigado. – agradeço enquanto ouço os gritos lá fora se aproximando.

Volto a atenção ao combate outra vez, pois, está tudo acontecendo ainda. – Aqui não é seguro. – comento comigo mesmo justo no momento que uma esfera de fogo passa por cima de nós e explode ao lado da carruagem antecessora a esta.

Volto a olhar para trás e vejo o guepardo chorando, e a seu lado esquerdo, dois lobos arfavam o peito, congelados em seus pensamentos.

— Vocês três! – estralo os dedos tentando me fazer mais alto do que os gritos ao nosso redor e ao que esteja acontecendo mais afrente. – Eu vou levar vocês a um lugar seguro! – quase tenho de gritar por ser atrapalhado por uma algazarra intensa e breve.

Olho meu arredor na procura de algo que me auxilie, pois, na mesma medida que quero tirá-los daqui, tenho que garantir minha segurança, e isso significa... Desvio os olhos brevemente para trás, e posso ver o homem que matei, porém, ele estava caído sobre outro, que ao contrário dele, não detinha roupas fogosas, mas sim, semelhantes a da guarda dessa caravana, então...

Volto o olhar aos Nancis e aponto ao fundo da carroça. – Fiquem ali. – como se minha palavra fosse o que cada um esperava para se mover, eles fazem o caminho calados, bom, o guepardo limpa os olhos com os braços muitas vezes antes de ficar de joelhos ao lado dos outros dois lobos. E assim como eles, passa a colocar as mãos para trás da nuca.

Desço dali com a boca amarga, pois, apesar de ter tido a ajuda dele, aquele guepardo ainda é um escravo, e por mais que não seja agradável trata-lo assim... enquanto tiro minha espada daquele verme e jogo de lado, vejo o resultado de subestimar Nancis, ao ver a garganta destruída de um velho que ali estava. Observo-o por alguns instantes antes de abaixar-me e procurar em seus bolsos algo que me ajude, pois, não conseguirei proteger três escravos ao mesmo tempo, sem falar que, caso fujam, como eu estou aqui, será eu o culpado...

Crônicas de Althunrain - A Torre de Eklesya (Concluído)Where stories live. Discover now